Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões. Gosto de ser e de estar. E quero me dedicar a criar confusões de prosódias e uma profusão de paródias que encurtem dores e furtem cores como camaleões. Gosto do Pessoa na pessoa da rosa no Rosa e sei que a poesia está para a prosa assim como o amor está para a amizade. E quem há de negar que esta lhe é superior?
As palavras do parágrafo anterior foram extraídas das estrofes iniciais da música “Língua” de Caetano Veloso, um brasileiro que, assim como outros grandes compositores e escritores, dominam os caminhos de múltiplas possibilidades que o idioma português confere à construção de frases com as quais nos comunicamos.

Intrincado e complexo, com seus tempos verbais diversos, conjugações, prefixos, sufixos, adjetivos, conjunções, elementos constitutivos que permitem uma enorme variedade de construções possíveis ao erudito e ao mesmo tempo popular, com derivações, abreviaturas e neologismos, o Português é a quinta língua mais falada no mundo.
São cerca de 280 milhões de falantes espalhados por países como Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste
Em meio a um universo de idiomas que conectam culturas e histórias, o dia 5 de maio se destaca como um marco para celebrar a riqueza e a diversidade da Língua Portuguesa.
Instituído pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) em 2009 e reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), 5 de maio é o Dia Mundial da Língua Portuguesa.
Origens de nosso idioma

A língua portuguesa, assim como outras línguas românicas (espanhol, francês, italiano, romeno…), descende do latim “vulgar”, a forma do latim falada pelos soldados, colonos e comerciantes do Império Romano.
Particularmente nos interessa falar sobre a Península Ibérica, local de onde herdamos a língua oficial do Brasil. Antes da chegada dos romanos à Península Ibérica (a partir do século III a.C.), a região era habitada por diversos povos, como os iberos, os celtas e os lusitanos e essas línguas pré-romanas deixaram um substrato linguístico no latim vulgar que ali se desenvolveu.
Com a conquista romana, o latim vulgar se espalhou pela Península, suplantando gradualmente as línguas nativas.
Com a queda do Império Romano do Ocidente no século V, a comunicação com o centro de poder diminuiu, e o latim vulgar falado nas diversas regiões começou a se diferenciar. Na Península Ibérica, essa diferenciação deu origem aos dialetos românicos peninsulares, incluindo o galego-português.
Com a independência de Portugal no século XII, o dialeto falado no sul do Condado Portucalense ganhou proeminência. Lentamente, o português começou a se distinguir do galego, passando por diversas transformações fonéticas, se aproximando do português e se distanciando do espanhol.
A longa presença árabe na Península Ibérica (do século VIII ao século XIII) deixou um legado significativo no léxico do português, com milhares de palavras, muitas começando com “al-” (como “álcool”, “algodão”, “azeite”, “alfazema”).
Finalmente o período dos descobrimentos das novas terras além da Europa (Séc. XVI), principalmente pelos navegadores portugueses, consolidou a expansão do idioma em várias partes do mundo onde os navegantes chegaram, entrando em contato com outras línguas, como as africanas, indígenas brasileiras e asiáticas, incorporando novos vocábulos.
Foi com as navegações portuguesas que a língua “viralizou” para usar um neologismo não tão recente e passou a ganhar contornos regionais. Apesar das origens comuns há grandes diferenças no português brasileiro em relação ao de Portugal, de Cabo Verde, ou de Macau, província Chinesa que fala o português.
No Brasil um triste retrato do uso pleno da língua
Sem exageros, uma das línguas mais versáteis do mundo, as possibilidades de expressão e pleno uso da língua pelos brasileiros ainda é privilégio de poucos.
É certo que a língua é viva e o eruditismo, construções e textos intrincados é restrito aos círculos dos mais “estudados”, ainda assim, é alarmante o número de brasileiros que conhecem pouco e usam pouco o português, além do básico para se comunicar.

De acordo com os dados do Censo Demográfico de 2022 do IBGE, a taxa de analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais no Brasil era de 7,0%. Isso representa um contingente de 11,4 milhões de brasileiros que não sabem ler e escrever um bilhete simples.
Apesar da queda em relação aos 9,6% registrados no Censo de 2010, as desigualdades regionais e raciais persistem. A região Nordeste apresenta a maior taxa de analfabetismo (11,7%), enquanto o Sudeste tem a menor (2,9%). As taxas de analfabetismo entre indígenas (16,1%), pretos (10,1%) e pardos (8,8%) são significativamente mais altas do que a de brancos (4,3%).
Dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2019 (último dado nacional disponível antes da pandemia com detalhamento nessa área) indicavam que 69% dos alunos ao final do ensino médio não atingiram o nível de conhecimento considerado adequado em Português.
Isso significa que uma grande parcela dos concluintes do ensino médio demonstra dificuldades em habilidades como identificar ironia em um texto e compreeder o tema de uma reportagem, por exemplo.
A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada periodicamente pelo Instituto Pró-Livro, em sua edição de 2019, apontava que o brasileiro lê uma média de 2,73 livros lidos por ano.
Outros levantamentos, como um do Colégio Objetivo, indicavam uma média ainda menor, de 1,3 livro por ano (considerando apenas os leitores).
Uma pesquisa mais recente, de 2024, aponta que 53% dos brasileiros não leram nenhum livro naquele ano, indicando uma possível queda no hábito de leitura.Dados comparativos do ano de 2022 apontavam que os europeus, por exemplo, liam em média 21 livros por ano, um número muito superior ao do Brasil.
Em São Paulo, um museu dedicado à língua surge nos anos 2000
O compositor Cazuza cantou em “O tempo não para”, de 1988, a frase “Eu vejo um museu de grandes novidades”… talvez a frase se encaixe na definição de uma instituição criada em 2006, pioneira em sua proposta museológica e conceito expositivo e também a primeira dedicada à língua portuguesa.

Concebido pela Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo em conjunto com a Fundação Roberto Marinho, o Museu da Língua Portuguesa ou Estação Luz da Nossa Língua, nasceu sob a proposta ousada do especialista norte-americano Ralph Appelbaum, autor também do Museu do Holocausto, em Washington, e da Sala de Fósseis do Museu de História Natural, em Nova Iorque.
Com projeto arquitetônico dos arquitetos brasileiros Paulo e Pedro Mendes da Rocha, pai e filho, direção artística de Marcello Dantas e primeira direção geral da socióloga Isa Grinspum Ferraz, o Museu da Língua Portuguesa surgiu como uma instituição quase sem acervo físico.
Seu objetivo é ser um espaço vivo sobre a língua portuguesa, base da cultura do Brasil, onde seja possível causar surpresa nos visitantes com os aspectos inusitados e, muitas vezes, desconhecidos de sua língua materna, “um museu de grandes novidades”, como preconizou Cazuza.

Localizado no complexo cultural da Estação da Luz, no bairro de mesmo nome, na área central de São Paulo, o Museu, desde sua fundação, é um dos mais ativos e visitados de São Paulo, oferecendo exposições temporárias e de longa duração que exploram desde a origem e evolução da língua até suas manifestações artísticas e literárias. Atividades educativas, debates e apresentações musicais também integram a programação regular, atraindo um público diversificado, de estudantes a pesquisadores, de curiosos e apaixonados pelo idioma.
No primeiro andar ficam localizadas as exposições temporárias e o Espaço Educativo Paulo Freire. No segundo andar, as exposições de longa duração e instalações permanentes como a “Línguas do mundo”, a “Rua da Língua”, “Nós da Língua” e “Laços de família”, que mostra como a língua portuguesa surgiu, indo da língua indo-europeu e o latim até as línguas como o português, o espanhol e o galego. A exposição “Português do Brasil” expõem a evolução da língua portuguesa desde sua origem histórica até as influências dos meios de comunicação atuais, é também uma das atividades de longa duração localizadas ali.
O terceiro andar do museu, também chamado de “Língua viva” abriga a exposição “Falares” que mostra a diversidade da língua portuguesa em seus sotaques, vocabulário, entre outros fatores que alteram o jeito de de se expressar a partir do português.
“O que pode a língua” é um auditório usado para mostrar filmes, poesia e atividades interativas.
Estas são apenas algumas atividades do Museu, que, como mencionado, é um dos mais ativos e dinâmicos da capital paulista.
Susto, tristeza e reconstrução

21 de dezembro de 2015. Enquanto trabalhadores realizavam obras nas instalações de uma das salas expositivas, um curto-circuito em um equipamento de iluminação iniciou um incêndio no Museu.
O fogo se alastrou rapidamente, consumindo boa parte do interior do prédio histórico da Estação da Luz e os principais danos se concentraram nos dois andares superiores e na cobertura do edifício, que desabou parcialmente, comprometendo toda a estrutura interna da instituição.
Felizmente, apesar da gravidade do incêndio, o acervo digital do museu foi preservado, o que minimizou a perda de conteúdo, mas itens físicos e instalações precisaram ser reconstruídos. O incêndio vitimou, ainda, um bombeiro civil que atuava no controle das chamas e faleceu vítima de uma parada cardiorrespiratória.

Tudo isso levou o museu a ficar fechado por quase seis anos. As obras de restauro e reconstrução propriamente ditas tiveram início em março de 2016, tendo sido concluídas em 2019.No entanto, a implantação da nova museografia e os preparativos finais para a reabertura se estenderam até julho de 2021.
Após um investimento total na reconstrução e modernização de mais de R$ 85 milhões, o único museu inteiramente dedicado à língua portuguesa no mundo foi reinaugurado em 31 de julho de 2021, representando um marco na preservação da memória e do patrimônio linguístico do país e reafirmando a importância do espaço como um centro de referência para a língua portuguesa.
No próximo dia 3 de maio, sábado, o museu terá uma extensa programação de atividades gratuitas em comemoração ao Dia Mundial da Língua Portuguesa: confira aqui e aproveite para conhecer o espaço.
Fontes:
https://www.museudalinguaportuguesa.org.br
https://www.todamateria.com.br/dia-da-lingua-portuguesa
https://www.unesco.org/pt/fieldoffice/brasilia/expertise/portuguese-language-day