A São Paulo dos Imigrantes. Pequena homenagem aos imigrantes que ajudaram a construir a identidade de nossa cidade

Seja você paulistano, migrante ou imigrante, certamente sabe que, como outras cidades do mundo, São Paulo tem seus bairros identificados com colônias estrangeiras. Liberdade e os japoneses, a região da 25 de março e os árabes, os judeus e o bom retiro, são apenas três exemplos. Os traços da cultura, do empreendedorismo e o legado dos imigrantes se espalham por toda a capital. No dia do Imigrante a gente lembra um pouco da importância destas pessoas para nossa cidade.

Muito embora, a rigor, podemos considerar que a nação brasileira, a partir da colonização portuguesa foi formada desde seus primórdios por imigrantes, que se juntaram aos povos originários é fato que a imigração para nosso país, ganhou força na segunda metade do Séc. XIX.

A abolição da escravatura (1888) e a expansão da cultura do café exigiram uma nova força de trabalho para as lavouras, e São Paulo, com suas terras férteis e a crescente demanda por mão de obra, tornou-se o principal destino desses fluxos migratórios.

Entre 1884 e 1959, o Brasil recebeu aproximadamente 4,7 milhões de imigrantes. Os italianos lideraram esse contingente, somando cerca de 1,5 milhão de pessoas. Em seguida, vieram os portugueses (1,2 milhão), espanhóis (700 mil), japoneses (250 mil) e alemães (200 mil). 

Deste total, estima-se que mais de 2,5 milhões de imigrantes se estabeleceram em São Paulo, concentrando-se primeiramente nas lavouras de café no interior do estado, como nas regiões de Campinas, Ribeirão Preto e São Carlos. Com o tempo, muitos migraram para a capital, buscando oportunidades em indústrias, comércios e serviços.

Vale ressaltar que a maior parte dos imigrantes que chegaram neste período vieram por meio da imigração incentivada. Ou Seja, tanto o governo federal quanto o paulista, tinham programas para acolher essas pessoas e proporcionar-lhes trabalho e moradia, principalmente nas lavouras de café.

Hospedaria do Imigrante, a acolhida para uma nova vida

Hospedaria dos Imigrantes, primeiro local de acolhimento de muitos estrangeiros em São Paulo.
Hospedaria dos Imigrantes, primeiro local de acolhimento de muitos estrangeiros em São Paulo.

A Hospedaria do Imigrante, hoje o Museu da Imigração do Estado de São Paulo, foi um marco fundamental na história da imigração no Brasil e é atualmente um marco arquitetônico e histórico da capital.

Foi inaugurada em 1887, na Rua Visconde de Parnaíba, no bairro da Mooca, bairro aliás, completamente identificado com a colônia italiana que migrou para a cidade.

A Hospedaria de Imigrantes foi a primeira morada paulistana de milhares de estrangeiros e brasileiros de outros estados que escolheram viver em São Paulo. Suas principais funções eram acolher e encaminhar os imigrantes aos novos empregos. Para isso, o prédio contava com a Agência Oficial de Colocação e Trabalho. Além de alojamento, disponibilizava farmácia, laboratório, hospital, correios, lavanderia, cozinha e setores de assistência médica e odontológica. Para dar conta do grande número de pessoas, uma estrutura rígida foi pensada com fluxos e horários, envolvendo dezenas de funcionários. 

Especialmente na década de 1930, a Hospedaria passou a acolher também trabalhadores migrantes de outros estados brasileiros. Na década de 1970, perdeu sua função original e em 1978 encerrou suas atividades. Em seus 91 anos de funcionamento, a Hospedaria abrigou cerca de 2,5 milhões de pessoas de mais de 70 nacionalidades, origens e etnias.

Desde o seu fechamento, a Hospedaria de Imigrantes passou por um processo de transformação, tornando-se patrimônio público e importante ícone da história do Estado, da cidade de São Paulo e também do Brasil. 

Em 1982, ocorreu o tombamento do edifício pelo Condephaat, e no ano de 1986 foi criado o Centro Histórico do Imigrante. Já em 1991, o prédio passou pelo tombamento do órgão municipal Conpresp, logo depois foi criado o Museu da Imigração (1993). Tornou-se Memorial do Imigrante em 1998 e, finalmente, a renomeação para Museu da Imigração (2011).

Hoje o local é um espaço de memória e celebração da diversidade, com exposições permanentes e temporárias que contam as histórias dessas milhões de pessoas que, de diferentes cantos do planeta, ajudaram a construir o Brasil e, em particular, a vibrante metrópole de São Paulo.

Industrialização trouxe os imigrantes para a cidade

Já no início do Séc. XX São Paulo, a cidade, começa a experimentar um crescimento acentuado, relacionado ao desenvolvimento de um parque industrial que necessitava, igualmente, de mão de obra. Junto com as indústrias, vem a necessidade do desenvolvimento de uma estrutura urbana de moradia e transporte.

Assim, começam a surgir as vilas operárias e os bairros mais afastados do centro da capital, quase todos formados pelos imigrantes.

Não é exagero dizer que, nesta fase, a cidade foi sendo moldada às necessidades das indústrias, que por vezes eram responsáveis pelo desenvolvimento de regiões até então pouco habitadas. Como exemplo, os bairros do Ipiranga, formado basicamente a partir da instalação das indústrias dos irmãos Jafet e o da Água Branca, adensado em razão das indústrias de Francisco Matarazzo.

Aliás, os dois exemplos acima dão a medida da importância dos imigrantes para o desenvolvimento da cidade. Talvez os dois maiores complexos industriais de seu tempo, as Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo e a Tecelagem Jafet foram empresas constituídas por imigrantes.

Nem é preciso lembrar que a Casa da Boia, igualmente, é uma empresa formada a partir da iniciativa do imigrante sírio Rizkallah Jorge Tahan.

Salão de vendas da Casa da Boia, empreendimento do imigrante Rizkallah Jorge.
Salão de vendas da Casa da Boia, empreendimento do imigrante Rizkallah Jorge.

Rizkallah Jorge chegou ao Brasil em 1895, vindo de Alepo, Síria, apenas com seu conhecimento de manipulação do cobre, algo raro no Brasil da época.

Após empregar-se em uma metalúrgica no centro de São Paulo e nela trabalhar por três anos, em 1898 ele funda a “Rizkallah Jorge e Cia”, dedicada a produzir uma variedade enorme de produtos em cobre e latão para o espaço doméstico.

Lustres, candelabros, arandelas, equipamentos para acabamento de portões, gradis, balanças, equipamento para instalações de gás, vitrines e mostruários eram apenas alguns dos produtos de sua indústria.

Foi, entretanto, com a grande demanda da cidade por materiais e soluções em hidráulica que a Rizkallah Jorge e Cia fez fama e se tornou a maior empresa do setor em sua época.

A partir da demanda por saneamento básico a empresa expandiu sua produção de canos, registros, sifões, conexões e uma variedade de material hidráulico. Por ter sido a pioneira no comércio da boia para caixas d’água ficou conhecida como “A casa da boia”, a “casa que tem boias”… Assim, a empresa assumiu o nome popular e passou a se chamar oficialmente “Casa da Boia”.

Alguns empreendedores imigrantes que deixaram legado em São Paulo

Assim como Rizkallah Jorge, que deixou um legado material e imaterial para a cidade de São Paulo, outros imigrantes, igualmente, foram responsáveis pela transformação de nossa cidade.

Francisco Matarazzo, chegou ao Brasil em 1881 e fundou as Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo (IRFM). Começou com uma pequena fábrica de banha em Sorocaba, mas logo expandiu para a capital, nas regiões do Brás e Água Branca, onde instalou seus parques industriais. 

Empresas como a do imigrante Francisco Matarazzo ajudaram a formar bairros inteiros de São Paulo.
Empresas como a do imigrante Francisco Matarazzo ajudaram a formar bairros inteiros de São Paulo.

As IRFM se tornaram o maior complexo industrial da América Latina, abrangendo desde alimentos, têxteis, produtos químicos, até embalagens. Embora a IRFM como conglomerado não exista mais nos moldes originais, algumas de suas antigas propriedades ainda estão em uso comercial ou foram convertidas.

O também italiano Rodolfo Crespi fundou a Fábrica de Tecidos Rodolfo Crespi S.A., instalada na Mooca, em 1897. A fábrica foi um marco na indústria têxtil paulista e deu origem ao famoso Cotonifício Crespi. 

O edifício da antiga fábrica, na Rua Cachoeira, é hoje um ícone histórico do bairro e abriga diversos estabelecimentos comerciais e residenciais.

A Família Jafet, de origem libanesa, é também um dos maiores exemplos de sucesso entre os imigrantes do Oriente,assim como Rizkallah Jorge. 

Chegaram ao Brasil no final do século XIX e construíram um império na indústria têxtil. A Fábrica de Tecidos Jafet se localizava no bairro do Ipiranga, impulsionando o desenvolvimento industrial da região. A empresa não existe mais, mas o nome Jafet permanece ligado à história industrial e à filantropia em São Paulo.

A Companhia Antarctica Paulista, embora tenha sido originalmente fundada em 1885, pelos paulistas Joaquim, João Alberto e Luiz Salles, expandiu suas atividades e se tornou um império a partir da entrada na sociedade dos imigrantes alemães Luiz Bücher, Antônio Zerrenner e Helena Zerrenner, além do dinamarquês Adam von Bülow.

As entidades e os bairros de imigrantes

Com o crescente número de imigrantes na capital e o natural agrupamento dessas pessoas em “colônias”, a capital paulista viu surgir diversas entidades para oferecer apoio social, cultural e de saúde, além de preservar suas tradições e identidades.

É fácil circular pela cidade e encontrar equipamentos públicos ou privados, criados a partir da associação de imigrantes.

Lançamento da pedra fundamental do Hospital Sírio Libanês na capital.
Lançamento da pedra fundamental do Hospital Sírio Libanês na capital.

O Hospital Beneficência Portuguesa, criado a partir dos esforços dos imigrantes de Portugal, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz, o Hospital Nipo-Brasileiro, o Albert Einstein, erguido com os esforços dos imigrantes judeus, e o Sírio-Libanês, por exemplo, são alguns equipamentos de saúde essenciais para a cidade hoje.

Clubes como o Monte Líbano (fundado por libaneses), o Esporte Clube Sírio (naturalmente, pelos sírios), o Pinheiros (antigo Germânia, fundado por alemães), o Helvetia, fundado por suíços e o Clube Inglês, são outros exemplos de entidades originalmente fundadas para oferecer lazer e integração aos imigrantes que hoje se abrem para os paulistanos.

A presença dos imigrantes moldou também, profundamente, a geografia urbana de São Paulo, dando origem a bairros com identidades culturais bem definidas:

Embora nascido a partir de um quilombo, e local da população negra, o Bixiga pass ou a ser identificado como o Coração da imigração italiana em São Paulo. Caracterizado por suas cantinas, festas religiosas (como a de Nossa Senhora Achiropita), teatros e arquitetura peculiar. Suas ruas estreitas e sobrados contam a história de operários e artesãos italianos.

A Mooca é outro bairro com forte influência italiana, conhecido por suas indústrias, clubes de futebol (Juventus) e pela paixão dos moradores por suas tradições. Foi um polo de moradia para trabalhadores das fábricas da região, muitas delas fundadas por imigrantes.

O estádio da Associação Portuguesa de Desportos, outro marco da imigração na cidade.
O estádio da Associação Portuguesa de Desportos, outro marco da imigração na cidade.

Outro bairro nascido da população negra da cidade a liberdade passou a abrigar os imigrants japoneses a ponto de ser o maior reduto da cultura japonesa fora do Japão. Inicialmente lar de ex-escravos, o bairro começou a receber imigrantes japoneses no início do século XX. Hoje, suas ruas são adornadas com lanternas orientais, e o bairro é um centro de gastronomia, comércio e eventos culturais japoneses.

O bairro do Brás, um dos bairros mais antigos da cidade, recebeu grande número de imigrantes italianos que trabalhavam nas fábricas e ferrovias. Posteriormente, foi palco da chegada de muitos imigrantes sírios e libaneses, que estabeleceram um forte comércio de tecidos e confecções, caracterizando o bairro até hoje.

Vizinho do Brás, o Pari também foi um importante destino para imigrantes italianos. Mais recentemente, o bairro recebeu uma grande comunidade coreana, que estabeleceu um vibrante polo de comércio e serviços, especialmente de vestuário e produtos eletrônicos.

O Século XXI e as novas nacionalidades

Exemplos de novo empreendedorismo de imigrantes na cidade. A rede de restaurantes Riconcito Peruano...
Exemplos de novo empreendedorismo de imigrantes na cidade. A rede de restaurantes Riconcito Peruano…

Nos últimos anos, o Brasil tem experimentado uma nova onda de imigração, impulsionada por crises econômicas, políticas e conflitos em diferentes partes do mundo. São Paulo, como centro econômico e cultural, continua sendo um destino prioritário destas pessoas.

Dados da Polícia Federal e do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) indicam um aumento significativo no número de imigrantes. Entre 2011 e 2020, o Brasil registrou a entrada de cerca de 1,3 milhão de imigrantes. As principais nacionalidades que chegaram nos últimos anos são:

Venezuelanos: Devido à crise humanitária em seu país, tornaram-se o maior grupo de imigrantes, com centenas de milhares de pessoas buscando refúgio no Brasil.

Haitianos: Após o terremoto de 2010, muitos haitianos buscaram oportunidades no Brasil.

Bolivianos: Tradicionalmente presentes no Brasil, muitos atuam na indústria têxtil e em serviços.

Sírios: Fugindo da guerra civil, um número considerável de sírios encontrou refúgio no Brasil.

Angolanos e Congoleses: Chegam em busca de melhores condições de vida e segurança.

Em São Paulo, a presença desses novos imigrantes quase traz uma espécie de “revivalismo” e é impossível não traçar um paralelo com o acontecido no início do Séc. XX.

E o restaurante e espaço cultural Al Janiah montado por refugiados palestinos no Bexiga.
E o restaurante e espaço cultural Al Janiah montado por refugiados palestinos no Bexiga.

Empreendimentos como restaurantes venezuelanos, bolivianos e palestinos surgem em bairros como a República e o Bom Retiro e o Bexiga, oferecendo a culinária e a cultura de seus países. 

Comércios de produtos africanos prosperam em regiões centrais. Há também um crescimento de pequenas e médias empresas fundadas por imigrantes, especialmente nos setores de alimentação, serviços e tecnologia.

A São Paulo do Séc. XXI continua a ser uma cidade que recebe grande número de imigrantes que assim como as gerações pioneiras, se integram à metrópole e aqui continuam a construir um legado de influências culturais, tradições artísticas e culinárias que contribuem para uma cidade multicultural.

Fontes

https://museudaimigracao.org.br

https://ri.ambev.com.br/visao-geral/historico

https://dados.gov.br/dados/conjuntos-dados/sismigra—sistema-de-registro-nacional-migratorio

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ind%C3%BAstrias_Reunidas_F%C3%A1bricas_Matarazzo

https://pt.wikipedia.org/wiki/Fam%C3%ADlia_Jafet

https://anba.com.br/

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