
Quem passa atualmente pela comprida e estreita rua Major Diogo, no coração do bairro do Bexiga e vê um edifício até modesto, mas ricamente ornamentado, janelões de madeira, sacada central portas de ferro artesanais, pode até pensar que se trata, como outros da região, de um antigo cortiço. Engana-se quem não dá à edificação a importância histórica de ter sido sede de uma das mais importantes companhias teatrais da cidade de São Paulo.
Essa história não pode ser contada sem antes mencionarmos o nome do imigrante Italiano Franco Zampari, que chegou ao Brasil em dezembro de 1922 a convite de seu amigo Ciccillo Matarazzo (Francisco Matarazzo Sobrinho) que como o nome diz, era sobrinho do magnata Francesco Matarazzo, para organizar a metalúrgica da família.
Zampari era um homem apaixonado pelo cinema e pelo teatro e esta paixão o fez se tornar, possivelmente, o maior incentivador destas duas artes nos anos quarenta na cidade de São Paulo (em um próximo post falaremos sobre a sua atuação no cinema), neste vamos manter nosso foco no teatro.
Já estabelecido em São Paulo e com uma fortuna considerável, Zampari decide construir um teatro no Morumbi, lá pelo fim dos anos 40. Mas, a classe artística e amigos o convencem que o centro da cidade seria um local mais adequado para o público e desta forma apresentam ao mecenas um edifício de três andares na rua Major Diogo, no Bexiga.
Surge o Teatro Brasileiro de Comédia

Verificando que a cidade não dispunha de teatros em número suficiente para abrigar produções de artistas amadores, Zampari acaba se convencendo que o antigo edifício poderia sediar a sua companhia, com o propósito de ser o mais moderno teatro da cidade.
Após quatro meses de intensa reforma e dotado do que havia de melhor em termos de estrutura, carpintaria, luzes, palco, acústica e instalações, na noite de 11 de outubro de 1948, o primeiro espetáculo do novo Teatro Brasileiro de Comédia é encenado: o monólogo La Voix Humaine, de Jean Cocteau, declamado em francês por Henriette Morineau.
O intento nobre de Franco Zampari de trazer para o TBC montagens amadoras se mostra conflitante com a necessidade de que o teatro se tornasse economicamente viável. Em outras palavras, a quantidade de público que frequentava as peças, que embora ricamente concebidas, não apresentava protagonistas “estrelados”, não estava pagando a conta.
A Sociedade Brasileira de Comédia foi constituída a partir da reunião de três grupos amadores que se revezavam no palco do TBC: o Grupo de Teatro Experimental, dirigido por Alfredo Mesquita, o Grupo Universitário de Teatro, dirigido por Décio de Almeida Prado, e a Sociedade dos Artistas Amadores de São Paulo, dirigido por Madalena Nicol. Na época, Cacilda Becker era a única atriz profissional da companhia.
Profissionalização do elenco traz nova dinâmica

Zampari, então, decide por montar uma companhia profissional e este movimento faz o TBC construir uma relevância sem precedentes à época, um processo que teve início com a contratação do diretor italiano Adolfo Celi para iniciar as atividades desta nova fase da companhia.
A partir daí, as estreias dos espetáculos logo se transformaram em eventos marcantes da vida cultural paulistana. O sucesso de público foi atingido pelas representações de textos canônicos dos maiores autores da dramaturgia mundial como Pirandello, Sófocles, Schiller, Sartre, Miller e outros.
Logo vieram se juntar à Cacilda Becker, Paulo Autran, Madalena Nicol, Marina Freire, Ruy Affonso, Elizabeth Henreid, Nydia Licia, Sérgio Cardoso e Cleyde Yáconis. Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Tônia Carrero e Walmor Chagas também passaram a integrar o elenco da companhia.
As atuações de alta performance e a qualidade dos técnicos especializados, que produziam cenografia e figurino na própria sede da rua Major Diogo conferiam aos espetáculos do TBC a mesma grandiosidade dos teatros mundiais.
Sob a direção artística de Adolfo Celi e a cenografia do também italiano Aldo Calvo, o elenco permanente se destacava pelas produções alinhadas ao moderno teatro que se realizava no mundo e o TBC transformou o rumo da cena cultural brasileira, com uma perspectiva moderna e a profissionalização no meio de produção teatral (até então bastante amador).
A despeito do sucesso das montagens o TBC ainda oscilava em sua sustentação financeira, exigindo que Zampari muitas vezes bancasse as contas do teatro. A companhia sofreu durante toda sua trajetória com críticas por ser considerada “um teatro de grã-fino”, além de não levar peças de autoria nacional para o palco (por considerar que textos pouco conhecidos poderiam não atrair público, o TBC não queria se arriscar).
O ocaso da companhia

A partir de meados da década de 1950, os grandes atores começam a deixar o TBC por razões pessoais: Sérgio Cardoso e Nydia Licia montaram sua própria companhia, Ruy Affonso e Elizabeth Henreid foram para a Europa, Paulo Autran, Tônia Carrero e Adolfo Celi montaram a Cia Tônia-Celi-Autran, assim como Cacilda Becker, que, em 1957, levou Walmor Chagas, Zbigniew Ziembinski, Cleyde Yáconis e Fredi Kleemann para formar o Teatro que levava seu nome.
Em 1959, Fernanda Montenegro, Sérgio Britto, Gianni Ratto e Ítalo Rossi saíram do TBC para formar o Teatro dos Sete. Todas essas mudanças colocam o TBC em crise artística, enquanto as dívidas aumentam e se acumulam.
Com seus grandes nomes deixando o teatro e as dívidas se acumulando, Zampari decidiu fechar o teatro no ano de 1964.
Uma breve sobrevida nos anos 1990
No final dos anos 1990 o empresário Marcos Tidemann Duarte, presidente do Grupo Hudson Petróleo (uma rede de distribuição e postos de gasolina famosa à época) alugou o prédio do TBC realizou uma grande reforma no imóvel, que custou cerca de quatro milhões de reais, reinaugurando o teatro no ano de 1999.
O TBC, assim como em sua primeira fase, teria novamente vida curta. Apesar de ter vivido um novo momento de sucesso, o grupo Hudson e a proprietária do imóvel não chegaram a um acordo sobre a renovação do aluguel ou da compra do edifício. A questão foi até bastante discutida à época, com Tidemann afirmando que a proprietária, Magnólia do Lago Mendes Ferreira, estava sendo intransigente nos valores para renovar ou vender o teatro. Fato é que em 2003 novamente o TBC fechava suas portas.
Um destino digno ao edifício surge com o SESC

Depois de mais um período fechado e se degradando,a Fundação Nacional das Artes (Funarte) desapropriou o imóvel (que é tombado em nível munucipal e estadual) no ano de 2008, com fins de reformá-lo e reabri-lo ao público, o que acabou não acontecendo.
Conversas iniciais em 2016, entre o então presidente da Funarte, Sergio Mamberti, com Marcelo Calero, à frente do Ministério da Cultura do governo Michel Temer, sugeriram que o Sesc assumisse o comando do teatro.
Posteriormente Humberto Braga, novo presidente da Funarte, e seu sucessor, Stepan Nercessian, levaram adiante as negociações para isso, mas elas foram interrompidas durante os anos do governo do presidente Jair Bolsonaro.
Foi apenas em dezembro de 2022 que finalmente foi assinado o contrato de cessão do local para o Sesc por 35 anos, renováveis por igual período. O Sesc se comprometeu a entregar um projeto arquitetônico em dois anos e a concluir as obras para dar início à operação do espaço em mais seis anos. Ou seja, apenas por volta de 2030 a nova unidade da entidade deve entrar em operação.
Foram necessários quase 60 anos entre o fechamento da mais relevante companhia de teatro de sua época e o desfecho da negociação com o Sesc para que o icônico e histórico edifício do Teatro Brasileiro de Comédia finalmente tivesse uma destinação de longo período, garantindo à cidade de São Paulo a manutenção do patrimônio material e imaterial do TBC.
Próximo à data em que se comemora o Dia Nacional do Comediante, 26 de fevereiro, é de igual importância comemorar o final feliz do legado do TBC que, de outro modo, poderia ter sido mais um imóvel e mais uma memória de nossa cidade a desaparecer no tempo, como o recente acontecimento em que a Prefeitura de São Paulo unilateralmente e sem aviso, pôs abaixo o Teatro Vento Forte, na zona oeste da cidade.
Fontes:
http://bjks-opac.museus.gov.br/
https://enciclopedia.itaucultural.org.br/grupos/80345-teatro-brasileiro-de-comedia-tbc
https://pt.wikipedia.org/wiki/Teatro_Brasileiro_de_Com%C3%A9dia
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0406200106.htm
https://mis-sp.org.br/vitrines/uma-visita-ao-teatro-brasileiro-de-comedia-pelo-acervo-do-mis/
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/acontece/ac23029901.htm