No dia 26 de agosto comemora-se o dia de um profissional, comerciante, empreendedor… o feirante. Embora a feira livre não tenha nascido na cidade de São Paulo, suas origens são bem distantes, aliás, elas se tornaram praticamente um patrimônio imaterial da cidade. Quem ainda não circulou por uma delas, não pediu um pastel e tomou um caldo de cana no meio da rua, não “carimbou” totalmente o passaporte de paulistano.
Antes de chegar ao nosso pastel com caldo de cana, vamos recuar no tempo até a Europa medieval.
As primeiras referências às feiras aparecem em meio ao comércio e às festividades religiosas. A própria palavra latina feria, que deu origem à portuguesa feira, significa dia santo, feriado.
Esses eventos têm origem na Europa durante a Idade Média e tiveram papel fundamental no desenvolvimento das cidades e no chamado renascimento comercial do século XIII.
Quando os camponeses não conseguiam vender nos mercados a produção excedente,trocavam por outros produtos nas ruas a um preço mais baixo. Com isso, as trocas comerciais realizadas nos centros urbanos possibilitaram a padronização dos meios de troca e incentivaram a ampliação de uma estrutura bancária.
Mas estas feiras não se assemelham à estrutura ou frequência com as que encontramos nos bairros de São Paulo. Elas aconteciam algumas vezes ao ano, e quase todas elas eram realizadas em épocas relacionadas com festas da Igreja.
E eram literalmente festivas, à medida que geralmente celebravam colheitas e safras. Seu público eram os pequenos negociadores de produtos agrícolas que depois revendiam em seus estabelecimentos. Durante as compras, dezenas de saltimbancos, fazendo malabarismos, procuravam divertir o povo que se movia de barraca em barraca.
No Brasil, o costume da feira chegou com os portugueses e há registros de feiras desde a época colonial. Existia a presença das populares quitandas, ou feiras africanas, que eram mercados em locais preestabelecidos que funcionavam ao ar livre. Vendedoras negras negociavam produtos da lavoura, da pesca e mercadorias feitas em casa.
Do mesmo modo, uma grande variedade de produtos que chegavam de navio era comercializada informalmente na Praça XV, no Rio de Janeiro. Até que em 1711, o Marquês do Lavradio, vice-rei do Brasil, oficializou este comércio informal.Mas a atividade ainda era desorganizada e extremamente despreocupada com a higiene.
Foi só em em 1904 que o prefeito do Rio, Pereira Passos, regularizou o funcionamento das feiras nos fins de semana e feriados e só doze anos depois Doze anos depois, outro prefeito, Azevedo Sodré, autorizou e estimulou as feiras também durante a semana.
A história das feiras em São Paulo

Assim como no Rio de Janeiro, e,embora em menor número, a São Paulo colonial tinha feiras informais em sua região central.
Em meados do século XVII, ocorre uma certa oficialização para venda, em 1687, de “gêneros de terra, hortaliça e peixe, no Terreiro da Misericórdia”.
No início do século XVIII, nota-se a distinção entre alguns ramos de comércio: aparecem as lojas ou vendas, onde se compravam fazendas (tecidos) e gêneros alimentícios não perecíveis, e as quitandas, que ofereciam verduras e legumes.
Em fins do século XVIII e começo do século XIX, estruturam-se as feiras nos locais de pouso de tropas e o início do Mercado Caipira e da Feira de Pilatos, no Campo da Luz, estabelecida pelo então Governador Melo Essa primeira existência é a que mais se assemelha às feiras de nossos dias.
Em 1914, foi criada a Feira Livre por meio do ato do Prefeito Washington Luiz P. de Souza, não como projeto novo, mas sim como o reconhecimento oficial de algo que já existia, tradicionalmente, na cidade de São Paulo.Castro de Mendonça.

A primeira Feira Livre oficial, realizada a título de experiência, contou com a presença de 26 feirantes e teve lugar no Largo General Osório. A segunda realizou-se no Largo do Arouche, com 116 feirantes, e a terceira foi no Largo Morais de Barros. Em 1915, elas somavam um total de 7 feiras, sendo duas no Arouche, duas no Largo General Osório e as demais no Largo Morais de Barros, Largo São Paulo e na Rua São Domingos.
Em 1948, há uma expansão das Feiras Livres, quando o prefeito Paulo Lauro, por meio de Lei, determina a instalação de, pelo menos, uma feira semanal em cada subdistrito ou bairro da cidade.
A atividade das feiras livres veio sendo regulada no decorrer das décadas. Atualmente a regulação das feiras cabe às secretarias de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) e Executiva de Segurança Alimentar e Nutricional e de Abastecimento (SESANA).
A fiscalização da atividade conta com a ajuda das subprefeituras e pode ser acionada pelos moradores e os próprios feirantes para verificar irregularidades, que devem ser denunciadas também pelo serviço do SP 156.
Atualmente, são mais de 968 feiras realizadas em toda a cidade, no horário das 7h30 à 13h.
Segundo dados da prefeitura de São Paulo, as feiras livres paulistanas movimentam nada menos do que R$ 2 bilhões por ano, gerando 70 mil empregos diretos e indiretos. Existem hoje na cidade 12 mil feirantes registrados.

Feiras como objeto de estudo
Mais do que uma atividade comercial, as feiras livres, ao menos para os paulistanos, são locais de socialização e não à toa foram e são objetos de estudo.
A pesquisadora Milaine Aparecida Pichiteli elegeu as feiras como tema para sua tese de doutorado “Paisagem cotidiana e patrimônio-territorial: Um olhar sobre as Feiras Urbanas da cidade São Paulo”, defendida em 2023 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Para a pesquisadora a feira tem altos e baixos. Teve o momento de nascimento dela e teve um momento, principalmente na década de 50 e 60, quando o supermercado chega em São Paulo, que ela tem uma baixa”, afirma. Segundo a pesquisadora, nesse momento, os jornais e o Poder Público viam o mercado como substituto da feira, o que não se concretizou.
Segundo Milaine, as pessoas não deixaram de ir à feira por gostarem do ambiente, além de ela trazer alimentos mais frescos e ser um espaço de integração. “As feiras são patrimônio territorial e a paisagem fica guardada na mente das pessoas”.
Já o livro do historiador Francis Manzoni “Mercados e feiras livres em São Paulo (1867-1933)”, publicado pelas Edições Sesc São Paulo, em 2019 se debruça sobre os primórdios da atividade no momento de grande crescimento da cidade.

Abrangendo o comércio de rua paulistano desde o final do século 19 até a inauguração do grandioso Mercado Municipal, em 1933, Francis esmiúça em sua obra o panorama da transformação do centro da capital paulista em um grande polo comercial.
Outro livro publicado sobre o tema é “100 anos de feiras livres na cidade de São Paulo”, do engenheiro agrônomo Hélio Junqueira e da economista Márcia Peetz .
Nele os autores resgatam a história das feiras livres formais na cidade paulistana e retratam a importância sociocultural dos eventos, ao destacar a cultura popular, vocabulários, marcas e expressões que foram incorporadas no contexto social no decorrer dos anos.
E feira é lugar de… pastel!

Ainda que correndo o risco de nos queimarmos no óleo quente da imprecisão é certo que o pastel não é uma comida nativa do Brasil e muito menos veio com a colonização.
Segundo a revista Super Interessante, existem duas grandes hipóteses para o surgimento desta iguaria, e ambas apontam a Ásia como berço desta comida.
A primeira credita o guioza japonês como preconizador dos pastéis de feira do Brasil. A outra hipótese coloca o rolinho primavera (harumaki) chinês como ancestral mais antigo. Ou seja, a discussão acaba sendo sobre o que veio antes: o guioza ou o harumaki.
Considerando que os chineses chegaram ao Brasil um pouco antes dos japoneses, talvez ali se orige o ancestral do pastel de feira.
Em todo caso, atribui-se aos japoneses e seus descendentes a popularização do pastel e isso teria acontecido no período da Segunda Guerra Mundial.
Segundo relatos, os japoneses teriam se especializado em montar pasterlarias, a partir dos anos 1940, para “disfarçar” sua origem e fugir do preconceito que sofriam pelo fato de o Japão ter lutado pelo Eixo durante a guerra, isso porque a pastelaria era, até então, uma atividade muito associada aos chineses.
O fato é que de origem chinesa, ou japonesa a iguaria foi amplamente aceita pelos brasileiros e hoje é um clássico das feira livres, que concentram não apenas uma, mas várias barracas de pastel e caldo de cana por feira.
Segundo a Prefeitura de São Paulo, são vendidos em cada feira livre da cidade cerca de 700 a 1.000 pastéis, o que soma quase um milhão de pastéis nas feiras paulistanas.
Aqui fica então, a nossa homenagem aos feirantes da cidade, esses trabalhadores que na madrugada já estão de pé em busca de alimentos frescos a serem vendidos nas ruas da cidade.
Um brinde com um pastel e um caldo de cana geladinho!
Para finalizar a gente trouxe um mapa interativo, da Prefeitura de São Paulo, com o endereço de todas as feiras livres da capital:
Fontes:
https://sampahistorica.wordpress.com/2018/03/19/e-dia-de-feira/
https://iea.agricultura.sp.gov.br/out/palestra100anos.pdf
https://www.fflch.usp.br/96023