Conheça a história das avenidas que romperam a barreira da altitude na topografia de São Paulo e permitiram a integração do centro da capital com os bairros da zona sul. A Vinte e Três de Maio e a Nove de Julho tem seus nomes inspirados no movimento revolucionário que os paulistas iniciaram contra o governo federal no ano de 1932
Até o início do Séc. XX a expansão urbana da capital paulista se deu nas áreas planas do entorno dos rios da região central, como o Anhangabaú, e Tamanduateí. O centro, propriamente dito e bairros como o Pari, Brás, Luz, Mooca, Ipiranga formavam o principal eixo de urbanização.
Nesse contexto, bairros mais afastados e áreas nobres como a região da Avenida Paulista eram restritos aos mais abastados e era até cômodo que não houvesse uma facilidade de integração destes locais com o centro e os bairros mais populares.
Até as primeiras décadas do Séc. XX, o caminho do centro à região da Paulista era feito principalmente pela Avenida Brigadeiro Luís Antônio e pela Rua da Consolação, vias relativamente estreitas, se comparadas às novas avenidas que seriam criadas.
O plano de avenidas

Com o crescimento exponencial da cidade de São Paulo no início do Século XX, a ideia de um plano viário que trouxesse mais fluidez ao tráfego tanto de bondes, quanto de automóveis, facilitando a mobilidade e permitindo a integração de novas áreas ocupadas longe do centro histórico da cidade.
Surge então aquele que ficou conhecido como “Plano de Avenidas”. Um projeto elaborado por Francisco Prestes Maia e João Florence de Ulhôa Cintra, dois engenheiros e urbanistas paulistas. Prestes Maia, além de responsável pelo plano, foi também prefeito da cidade, e Ulhoa Cintra foi chefe da Divisão de Obras da Prefeitura.
O plano previa a construção de avenidas radiais e marginais em torno do centro da cdodade. As avenidas radiais fariam a ligação do centro da cidade em direção à periferia e as avenidas ao longo das margens dos rios, as marginais, facilitariam o acesso e a circulação entre as diferentes regiões da cidade.
Além desses elementos, outra inovação que constava no documento era a integração do sistema de avenidas ao sistema de circulação e transporte ferroviário de São Paulo.
Prestes Maia, que participara da criação do plano em 1924, retoma-o em 1930 a pedido do então prefeito da capital José Pires do Rio. Poucas propostas saíram do papel até que o urbanista assumisse seu primeiro mandato na prefeitura no ano de 1938, tendo permanecido no cargo até 1945, e estando de volta dezesseis ano depois, em 1961.
Neste contexto inicia-se a ligação do centro com o ponto urbano mais alto da cidade, o topo da colina do Caaguaçu onde foi construída a Avenida Paulista, que fica a 820 m de elevação.
A revolução de 32 atrasa os projetos

Os planos de expansão da cidade foram interrompidos pelo curto mas intenso período do levante paulista de 1932, que ficou conhecido como “Revolução Constitucionalista de 1932”.
O levante foii um conflito armado que eclodiu em São Paulo, entre os meses de julho e outubro daquele ano, com profundas raízes na insatisfação paulista com o governo provisório de Getúlio Vargas. Um movimento cívico-militar com amplo apoio popular em São Paulo, buscando a redemocratização do Brasil.
De forma muito resumida, a Revolução teve início efetivo em Nove de Julho de 1932, após meses de intensa mobilização e o estopim das mortes dos estudantes Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo (MMDC) em um confronto com as forças pró-Vargas em vinte e três de Maio.
Após um período de intensas batalhas campais pelo interior de São Paulo, mais precisamente no Vale do Paraíba, região que faz divisa com o Rio de Janeiro, então Capital Federal e que atingiram também a capital paulista, o levante teve seu fim em 2 de outubro de 1932, com a derrota militar das forças paulistas.
Apesar da derrota no campo de batalha, a revolução atingiu seu principal objetivo político. A pressão exercida por São Paulo foi crucial para que Getúlio Vargas convocasse, em 1933, uma Assembleia Nacional Constituinte.
Em 1934, foi promulgada uma nova Constituição para o Brasil, que restabeleceu a ordem democrática e introduziu importantes avanços sociais e políticos, como o voto feminino e a Justiça do Trabalho.
Voltando ao plano de Avenidas…

Passada a conturbação do período do levante armado a vida volta à normalidade na cidade que não pára. O Plano de Avenida é retomado na gestão do Prefeito Fábio Prado e a começa a ser construída a ligação entre a Paulista e o Centro.
As obras da futura avenida Nove de Julho começaram com desapropriações de chácaras e sítios às margens dos rio Saracura e grandes obras de engenharia foram necessárias para transpor a geografia da região, principalmente a construção de um túnel, justamente embaixo da Paulista.
Aliás, vale mencionar que a construção dos dois túneis sob a Avenida Paulista foi uma obra de engenharia de grande impacto para a época. Tanto assim que sua inauguração foi cercada de grande pompa com a presença de autoridades paulistas e federais.
Dentre estas autoridades que compareceram à cerimônia de abertura dos túneis da Nove de Julho, no dia 22 de julho de 1938 estava nada menos do que o Presidente da República, Getúlio Dornelles Vargas! Sim, aquele contra o qual os paulistas pegaram em armas apenas seis anos antes…

Segundo a historiografia Getúlio não queria vir à inauguração, mas acabou sendo convencido de que sua presença representaria um sinal de que o governo federal não nutria por São Paulo, ‘rancores” pelo movimento revolucionário.
Mostrar sua presença no evento era bom para Vargas e para os políticos paulistas.
A via foi sendo inaugurada em trechos, e sua conclusão total ocorreu apenas na década de 1940.
O trecho então inaugurado, já como “Avenida Nove de Julho”, ia do centro da cidade até a Rua Estados Unidos, passando pela Paulista.
Vinte e três de Maio complementa o acesso à região

Antes mesmo da inauguração completa da Nove de Julho, o projeto de construção de uma ligação adicional entre centro e zona sul já começava a ser pensado.
A ideia da avenida surgiu no ano de 1937, concebida com o nome de Avenida Itororó, em homenagem ao córrego que passava a céu aberto por ali.Ele foi canalizado e enterrado e seu curso segue o mesmo trajeto da avenida atual, desaguando no Rio Anhangabaú.
O projeto original visava criar uma ligação direta entre o Centro de São Paulo e a região do futuro Parque Ibirapuera, aproveitando o vale do Rio Anhangabaú e incluindo um túnel que desembocaria no Largo Guanabara, seguindo até a Avenida Brasil em Pinheiros.
Anos mais tarde, aliás, o nome da avenida em construção foi alterado para Avenida Anhangabaú, ideia do ex-prefeito Prestes Maia.

O projeto foi revisado em 1954 e já previa inovações significativas: canteiros centrais mais largos para uma futura linha de metrô, faixas de rodagem ampliadas e rampas menos íngremes.
Data também daquele ano, o projeto que denominou a Avenida com seu nome atual (Lei Ordinária Nº4.473, de 22 de maio de 1954).
Outro ponto interessante é que era prevista uma “faixa verde” ao longo da avenida, valorizando o aspecto estético e funcional do espaço urbano.
As obras começaram em 1951, mas inicialmente limitaram-se a um pequeno segmento de cerca de 200 metros, da Praça da Bandeira até o Viaduto Dona Paulina.
Este trecho inicial, inclusive, foi usado como estacionamento por muitos anos. A expansão até a Rua da Assembleia, planejada para 1961, enfrentou desafios financeiros significativos — os custos de desapropriação superaram em 1.900% o orçamento anual destinado à obra.
O trecho “inicial” da vinte e três de Maio, com 1.4 mil metros de comprimento que ia da Praça da Bandeira ao Viaduto Pedroso, começou a funcionar em 25 de janeiro de 1967. Nessa mesma época foi aberta uma concorrência para a construção do viaduto da Rua Paraíso, mas outras obras urbanas, como os viadutos da Avenida Bernardino de Campos e da Rua Cubatão ainda não tinham previsão de concorrência e de obras.
Em novembro de 1968 o jornal Folha de São Paulo noticiava a proximidade da inauguração da nova avenida:

“Em fase final de construção, a avenida 23 de Maio será entregue ao tráfego em toda a sua extensão em janeiro de 1969.
Ela terá ligação com as avenidas Brasil, Sena Madureira, Rubem Berta e com a futura Ibirapuera, o que representará um importante eixo viário na zona sul de São Paulo.
A pavimentação está quase toda pronta, faltando as áreas próximas aos viadutos, que estão sendo concluídos. Um trecho, entre a praça das Bandeiras e o viaduto Paraíso, já está sendo utilizado.
Com a avenida pronta, a expectativa é a de que o trajeto entre a região central e o aeroporto de Congonhas possa ser feito em 15 minutos.”
A inauguração oficial aconteceu em 1969, quando todos os trechos da Avenida já estavam construídos.
Memórias de 1932 pela cidade de São Paulo

Talvez a vinte e três de Maio e a Nove de Julho sejam os logradouros mais famosos da cidade que fazem menção à importantes datas daqueles acontecimentos de 1932, mas não são os únicos. Referências aos fatos, datas e pessoas estão espalhados por toda a capital.
No bairro do Butantã, localiza-se a rua M.M.D.C., com as iniciais dos mártires da revolução.
O antigo Hospital Nossa Senhora da Conceição, narua Peixoto Gomide, teve seu nome alterado para Hospital Nove de Julho em em 1955, por seus novos proprietários, Antônio, João e Assis Ganme, em homenagem ao movimento.
No centro da cidade, próximo à Praça da Sé, está o edifício “Ouro para o Bem de São Paulo”, nome de uma campanha que incentivava os paulistanos a doar objetos de ouro para bancar os custos das tropas paulistas durante a revolução.
E na região do Ibirapuera está o Mausoléu do Soldado Constitucionalista, o famoso “obelisco”.
Fontes:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Avenida_9_de_Julho
https://pt.wikipedia.org/wiki/Avenida_23_de_Maio
https://www.zapimoveis.com.br/blog/guia-de-cidades/avenida-23-de-maio
https://pt.wikipedia.org/wiki/Obelisco_de_S%C3%A3o_Paulo
https://pt.wikipedia.org/wiki/Edif%C3%ADcio_Ouro_para_o_Bem_de_S%C3%A3o_Paulo