Nas figuras de Anésia Pinheiro Machado e Ada Rogato uma homenagem às mulheres

Nas décadas iniciais da Rizkallah Jorge e Cia., hoje a Casa da Boia, apenas três mulheres apareciam nos registros de funcionários da empresa. Atualmente aproximadamente um terço dos funcionários da empresa são mulheres, que contribuem de forma ativa para a continuidade de nossa história de quase 127 anos.

Difícil escolher uma mulher para personificar a homenagem que todas são merecedoras cotidianamente, ainda mais, quando lembramos o Dia Internacional da Mulher, comemorado no último dia 8. Mas, algumas pioneiras são tão significativas para a história que merecem ser lembradas e como tal, dignas de representarem as mulheres quando lembramos de sua força e da luta para se firmarem em condição de igualdade na sociedade.

Talvez o nome da Ada Rogato, ou de Anésia Pinheiro Machado não signifique nada para você, mas, assim como outras personagens da história que dependem de uma iniciativa para serem lembradas, a vida e os feitos dessas mulheres paulistas merecem ser reverenciados.

Corriam os primeiros anos do Século XX uma época de efervescência em todas as áreas da humanidade. Surgimento da luz elétrica, da telefonia, do rádio, dos meios de produção em massa e de um veículo que mudaria a história humana: o avião, um jeito novo de se locomover cuja invenção e as atividades que em torno dele surgiam era um negócio estritamente masculino.

Não para Anésia Pinheiro Machado

Anésia Pinheiro Machado e o avião com que realizous o primeiro voo entre São Paulo e Rio de Janeiro.
Anésia Pinheiro Machado e o avião com que realizous o primeiro voo entre São Paulo e Rio de Janeiro.

Nascida na cidade paulista de Itaí, em 4 de junho de 1904, Anésia viria a se tornar a segunda mulher brasileira a obter um brevê (a licença) para pilotar aviões, no ano de 1922. Poderia ter sido a primeira, não fosse o fato de que a sua prova prática fora marcada para o dia 9 de abril de 1922, um dia depois da prova de Thereza di Marzo, a primeira mulher a se tornar pilota no Brasil.

Bom, você deve estar pensando agora que, se Anésia não foi a primeira a ter uma licença para pilotar um avião, porque estamos aqui contando a história dela, de Ada Rogato e não de Thereza?

A gente explica. Apesar do pioneirismo, Thereza di Marzo desistiu de se tornar uma profissional. Casou-se logo após obter o brevê justamente com o seu instrutor, Fritz Roesler. O marido se revelou muito ciumento, não permitindo que ela continuasse a pilotar.

Thereza di Marzo e o marido Fritz Roesler.
Thereza di Marzo e o marido Fritz Roesler.

Ainda assim Thereza e Fritz fundaram no bairro do Ipiranga, o “Aeródromo Ypiranga Thereza di Marzo” e ajudaram a popularizar o avião “paulistinha” do qual Fritz foi um dos desenvolvedores.

Já Anésia seguiu na aviação. Foi a primeira mulher a realizar um voo com passageiro, em 23 de abril de 1922. Foi também a primeira brasileira a realizar um voo acrobático. A bordo do avião Caudron G.3, o mesmo no qual obteve sua licença e o mesmo com o qual conquistou o recorde feminino de voo em altitude até então alcançando, 4 124 metros, em 18 de maio de 1922.

Em 5 de setembro de 1922, pilotando também um Caudron G.3, Anésia realizou seu primeiro voo interestadual de São Paulo ao Rio de Janeiro, como parte das comemorações do centenário da Independência do Brasil.

Pelo feito pioneiro, Anésia recebeu uma carta do pioneiro da aviação e inventor Santos Dumont, a parabenizando pelo sucesso na viagem. Junto com o bilhete, o aviador mandou uma réplica da medalha de São Bento que havia recebido da Princesa Isabel pelos feitos inéditos realizados em Paris, em 1906, quando se tornou a primeira pessoa a realizar um vôo autônomo com um avião no mundo.

A pioneira ainda realizaria inúmeros feitos notáveis em sua carreira e seu ativismo e opiniões definidas ainda lhe trouxeram tanto complicações como reconhecimento.

Anésia com o instrututor de voo da PanAm Donald Dionne.
Anésia com o instrututor de voo da PanAm Donald Dionne.

Ela participou da Revolta Paulista de 1924, voando sobre as tropas legalistas e sobre o encouraçado Minas Geraes, jogando flores e panfletos com a frase “E se fosse uma bomba?”. Por conta disso, foi proibida de voar, dedicando-se ao jornalismo.

Somente no ano de 1939 conseguiu recuperar o seu brevê e já em 1940, participou, ao lado de Floripes do Prado, Rosa Schorling, Leda Batista, Cecília Bolognani, Carolina de Assis e Ada Rogato, de provas femininas disputadas pela primeira vez durante o campeonato “Semana da Asa”, organizado pelo Aeroclube do Brasil.

Em 1943 a pioneira foi convidada a estudar nos Estados Unidos pela CAA (Civil Aviation Administration), conquistando suas licenças para Piloto Comercial e Instrutor de Voo, funções que exerceu na Panair do Brasil e na Força Aérea Brasileira.

A aviadora foi também uma das mais empenhadas em promover o nome de Santos Dumont ao redor do mundo, sendo assim uma espécie de “embaixadora” do inventor brasileiro quando das comemorações do cinquentenário do voo do 14 Bis, no ano de 1956.

No ano de 1954 a Federação Aeronáutica Internacional (FAI) escolheu Anésia Pinheiro Machado com Decana Mundial da Aviação Feminina.

Ada Rogato e o pioneirismo na aviação 

Ada Rogato e o lendário avião "Brasileirinho".
Ada Rogato e o lendário avião “Brasileirinho”.

Nascida no bairro do Cambuci, em 22 de dezembro de 1910, Ada Rogato era apenas seis anos mais nova do que Anésia Machado. Filha do casal de imigrantes italianos Maria Rosa Greco e Guglielmo Rogato, Ada cresceu com a típica educação das mulheres do início do Século XX. No colégio conservador e com as clássicas aulas de piano, línguas, prendas domésticas…tudo o que um boa menina dos anos 20 precisava para constituir uma família.

Mas… Ada Rogato tinha outras pretensões. A jovem tinha paixão por aviões e sonhava em ser aviadora.

Mesmo contra a vontade dos pais, Ada economizou dinheiro para bancar ela mesma o curso de pilotagem, ainda adolescente.

Aos vinte e cinco anos de idade, em 1935, Ada obteve o primeiro brevê feminino de voo a vela (planador), uma atividade pouco praticada naqueles tempos. No ano seguinte, obteve a primeira licença concedida a uma mulher pelo Aeroclube de São Paulo para pilotar um avião. 

Ada foi também a primeira brasileira a obter o certificado de paraquedista (concedido pelo Aeroclube de São Paulo).

Assim como Anésia, Ada Rogato teve uma longa e importante relação com a aviação. Colocou suas habilidades à prova em acrobacias aéreas e saltos de paraquedas, ajudando a atrair público para os eventos aéreos organizados tanto nas capitais como nos recém-fundados aeroclubes do interior de São Paulo e de outros Estados.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Ada realizou 213 voos voluntários de patrulhamento aéreo pelo litoral paulista voando em aeronaves de pequeno porte, ajudando na proteção do Estado.

A fase das grandes viagens

Ada foi pioneira dentre pilotos a sobrevoar a Amazônia.
Ada foi pioneira dentre pilotos a sobrevoar a Amazônia.

O temperamento meticuloso de Ada contrastava com seu ímpeto por grandes aventuras e, talvez essas duas características tenham sido determinantes para o sucesso de uma fase da aviadora conhecida por grandes e desafiadoras viagens.

Em 1956, Ada foi convidada a fazer parte da comissão organizadora das comemorações do Cinquentenário do primeiro voo do 14-bis (a mesma da qual Anésia se tornou uma expoente), e uma das atividades das comemorações foi realização de um reide por todos os Estados e Territórios brasileiros para homenagear e divulgar os feitos de Santos Dumont. 

Nesta viagem, Ada Rogato, sempre sozinha, percorreu 25.057 km em 163 horas de voo, levando consigo não só material sobre a vida e obra do Pai da Aviação como também, a pedido das autoridades eclesiásticas, uma imagem de Nossa Senhora Aparecida em peregrinação aérea pelo Brasil. 

O roteiro não se restringiu às capitais: com seu espírito aventureiro, a aviadora o estendeu a locais perdidos do interior, sobrevoando com seu Cessna 140, denominado “Brasil”, trechos quase inexplorados do Centro-Oeste, descendo em campos de pouso recém-abertos na mata e visitando várias aldeias indígenas. 

Foi mais uma vez pioneira ao atravessar sozinha e num pequeno avião a selva amazônica, incluindo o até hoje temeroso trecho Xingu-Cachimbo-Jacareacanga.

Mesmo com todos esses feitos, Ada ainda não estava satisfeita: ela se tornaria a primeira piloto a chegar a Ushuaia, na Terra do Fogo (Argentina), a cidade mais austral do mundo (a bordo do mesmo Cessna “Brasil”) e com ele, dali, partiu para o Círculo Polar Ártico batendo o recorde de voo solo, ao percorrer os 51.064 quilômetros entre e a Terra do Fogo e o Alasca, em apenas 326 horas.

Patrona da aviação agrícola

Ada ao lado do avião que realizou o primeiro voo agrícola do Brasil.
Ada ao lado do avião que realizou o primeiro voo agrícola do Brasil.

Não bastasse os feitos notáveis de Ada Rogato, ela foi também a pioneira da aviação agrícola no Brasil.

No dia 7 de fevereiro de 1948, um sábado de carnaval, a bordo de um CAP-4 Paulistinha, a paulistana fez o primeiro voo para a aplicação de veneno para combater a broca-do-café entre os municípios de Gália, Garça, Marília e Cafelândia, região centro-oeste de São Paulo, se tornando assim a primeira brasileira a pilotar um avião agrícola e a segunda mulher no mundo (a primeira foi a uruguaia Mirta Vanni) a realizar um voo de pulverização de lavouras.

Ada foi contratada do Instituto Biológico de São Paulo contribuindo com a agricultura paulistana em centenas de voos experimentais dos projetos do órgão do governo de São Paulo para a melhoria da agricultura.

A pioneira da aviação brasileira faleceu na cidade de São Paulo, vitimada por um câncer, em 15 de novembro de 1986. 

O livro “Ada Rogato, um pássaro solitário”, de Lucita Briza, publicado pelo Instituto Histórico da Aeronáutica, relata da seguinte forma os momentos finais da aviadora:

Seu último suspiro foi no mesmo hospital (Hospital do Servidor Público do Estado de SP), nos braços da prima Ângela, em 15 de novembro de 1986. 

Por ser um feriado eleitoral, as providências para o velório da aviadora só puderam ser tomadas no dia seguinte pelo Dr. Trigueirinho, seu amigo no Instituto Genealógico Brasileiro. Foi no Museu da Aeronáutica, ao lado do seu tão querido “Brasil”, que Ada foi velada por amigos e autoridades sob as luzes de flashes e câmeras de televisão. 

A pedido do jornalista e deputado federal Israel Dias Novaes, o prefeito Jânio Quadros mandou cinco carros oficiais para acompanhar o enterro. O cortejo partiu do Museu da Aeronáutica na tarde do dia 17 em direção ao Cemitério do Morumbi, tendo à frente o carro de bombeiros, enviado pelo governador Franco Montoro, que conduzia o féretro. 

A caminho do cemitério, a comitiva era acompanhada no ar pelos EMBRAER T-27 Tucano da Esquadrilha da Fumaça, que faziam passagens baixas sobre os carros, despertando a curiosidade dos que passavam próximo ao cortejo, que finalmente chegou ao gramado sem fim do lugar que Ada escolhera para repousar ao lado da mãe. 

Passava das três da tarde quando o corpo da pioneira baixou à sepultura e um pequeno avião aproximou-se voando baixo, lançando pétalas de rosa sobre o caixão. “Adeus, Pássaro Solitário”, escreveram então nos céus os aviões da esquadrilha, enquanto o “teco-teco” ia se afastando aos poucos, até desaparecer.

Fontes:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ada_Rogato

http://www.biologico.sp.gov.br/page/nossa-gente/ada-rogato

https://heroinasdobrasil.com.br/ep-01-ada-rogato-a-pioneira-da-aviacao/

https://www.gazetasp.com.br/gazeta-mais/curiosidades/ada-rogato-a-primeira-pessoa-a-cruzar-a-amazonia-em-um-pequeno-aviao/1139232/

https://revistaavag.org.br/primeiro-voo-agricola-feminino-no-brasil-completa-74-anos/

https://pt.wikipedia.org/wiki/An%C3%A9sia_Pinheiro_Machado

https://meskodiasadvogados.com/thereza-de-marzo/

http://www.biologico.sp.gov.br/page/nossa-gente/ada-rogato#:~:text=Ada%20Rogato%2C%20em%20feiras%20agr%C3%ADcolas,Rogato%20no%20Loteamento%20C%C3%A2ndido%20Portinari.

https://www2.fab.mil.br/incaer/images/eventgallery/instituto/Opusculos/Textos/opusculo_ada_rogato.pdf

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