No dia do gari, história e reflexão sobre o lixo em São Paulo

Anônimos e fundamentais, os garis representam o aspecto humano de uma questão fundamental na sociedade: a produção e destinação do lixo. Em São Paulo, que produz 20 mil toneladas de lixo diariamente, a história da destinação do lixo passa pelo descarte oficial em áreas rurais, pelos incineradores e atualmente pelos aterros.

Os números do lixo na cidade de São Paulo impressionam. Das 20 mil toneladas de lixo geradas diariamente pelos paulistanos diariamente, 12 mil toneladas são resultado do lixo doméstico. Aquele resto de comida, o papel higiênico, nosso papel-toalha, o pó que tiramos dos móveis… 

Atualmente os trabalhos de coleta de resíduos domiciliares, seletivo e hospitalares são executados pelas duas concessionárias: a Ecourbis e Loga que com seus veículos percorrem diariamente área de 1.523 km² atendendo 11 milhões de pessoas todos os dias.

Quinhentos veículos (caminhões compactadores e outros específicos para o recolhimento dos resíduos de serviços de saúde) circulam diariamente pelas ruas e avenidas da capital levando cerca de 3,2 mil pessoas que trabalham no recolhimento dos resíduos.

Cerca de 2,5 bilhões de reais são gastos pela Prefeitura de São Paulo anualmente, para custear a coleta e destinação do lixo na capital.

Garis, elo mais próximo da população

Garis representados no caminhão de coleta, em uma ação da prefeitura para valorizar esses trabalhadores.
Garis representados no caminhão de coleta, em uma ação da prefeitura para valorizar esses trabalhadores.

Do total de trabalhadores diretamente envolvidos na questão do lixo na capital, 14.500 pessoas, cerca de 9.000 são responsáveis pela limpeza urbana (os demais, pela coleta de lixo). São os profissionais encarregados da varrição de ruas, remoção manual ou mecanizada de entulho e grandes objetos, capinação, lavagem de escadarias e monumentos, limpeza de feiras-livres e zeladoria de espaços públicos, profissionais comumente chamados de “garis”.

Esta verdadeira população flutuante nas ruas da nossa cidade é o elo mais visível desta cadeia de limpeza sem a qual a vida na cidade seria impraticável. Não é incomum que estes profissionais estabeleçam vínculos com os moradores e comerciantes das regiões onde atuam, mesmo que, quase sempre, sejam “invisibilizados” no cotidiano da cidade.

O Dia Nacional do Gari foi instituído no Brasil por meio do Projeto de Lei 1347/2011 da Câmara dos Deputados, que estabeleceu o dia 16 de maio como data comemorativa. Anteriormente, o Dia do Gari era comemorado apenas no Rio de Janeiro. A Lei Estadual 212, sancionada pelo Governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, foi a responsável por instituir a data no Rio de Janeiro, com a primeira comemoração em 16 de maio de 1963.

Aleixo Gary, o pioneiro que “batizou” a profissão

Descrição dos veículos coletores de Aleixo Gary.
Descrição dos veículos coletores de Aleixo Gary a serem usados no Rio de Janeiro imperial.

A gente está tão acostumado com certos termos, que nem se questiona sua origem. Afinal, então, porque um profissional de limpeza urbana é comumente chamado de gari? A origem deste nome remonta ao Brasil imperial e a um empreendedor francês.

Aleixo Gary nasceu na França e se mudou ainda jovem para o Brasil. Em 1830, um decreto imperial tornou obrigatório o descarte correto de dejetos sólidos, visando, assim, diminuir a transmissibilidade de doenças e a presença de animais junto ao lixo. 

Gary percebeu no decreto uma boa oportunidade de negócio. Com sua experiência vinda da França, Gary começou a prestar serviços de coleta de lixo para diretamente para a população, tornando-se conhecido entre os moradores locais.

 Em 10 de outubro de 1876, as intendências do Rio de Janeiro e da Guanabara contrataram formalmente a Aleixo Gary & Cia para a realização do trabalho, tornando o serviço informal um serviço público oficial. Homens, acompanhados de carroças, faziam a coleta dos resíduos das ruas, dando início ao primeiro sistema de coleta de resíduos urbanos do Brasil. 

Como o contrato expirou em 1891, seu primo Luciano Gary entrou em seu lugar no ano de 1892. Um ano depois, a empresa foi encerrada, dando lugar à Gestão de Limpeza Pública e Privada da Cidade, que, segundo consta, prestava um serviço de qualidade inferior ao da anterior. 

Tendo se acostumado a ver as ruas limpas com os serviços de Gary, moradores insatisfeitos continuavam ligando para o “Times dos Gary’s” … O nome gradualmente alterado para “Gari” sendo usado até hoje como a denominação destes profissionais.

O tratamento do lixo em São Paulo ao longo dos anos

Terreno nos limites de SP, onde eram jogados os resíduos da cidade, no início do Sé. XX.
Terreno nos limites de SP, onde eram jogados os resíduos da cidade, no início do Sé. XX.

A relação com o lixo produzido na cidade de São Paulo mudou radicalmente ao longo dos séculos, até porque o tipo de resíduo produzido pela população, igualmente mudou.

Na São Paulo Imperial, as casas mais abastadas contavam com escravos que se encarregavam de “sumir” com o lixo produzido. Em outras palavras, levá-lo para lugares distantes das habitações.

Muitos residentes queimavam o lixo em seus quintais e, a partir do Séc. XVIII a Municipalidade destinava terrenos nos arredores da área central para o descarte do lixo.

À medida que a cidade vai crescendo, estes depósitos vão sendo afastados para áreas cada vez mais distantes.

Em 1893, através do Ato nº 2, de 6 de maio,6 foi feito o primeiro contrato protocolado, já com uma empresa particular em São Paulo, para os serviços de coleta domiciliar e de varrição, lavagem de ruas, limpeza de bueiros e bocas-de-lobo, incineração de lixo e limpeza de mercados; a empresa era a Mirtil Deutsch e Fernando Dreyfus; o contrato duraria até 1913. Porém, alguns anos antes, em 1869, a  Câmara havia firmado um novo contrato com o empreiteiro Antônio Dias Pacotilha.

Veículo coletor movido a cavalos, no bairro da Ponte Pequena. Anos 1930.
Veículo coletor movido a cavalos, no bairro da Ponte Pequena. Anos 1930.

Com a emergência das epidemias em meados do século XIX, não bastava apenas especificar os locais para amontoar os detritos. Daí em diante, fazia-se necessário criar um método técnico para transformar o lixo, levando em consideração o seu não desperdício. Destacam-se aqui os incineradores, que, por meio do seu processo de queima, produziram energia para algumas localidades de São Paulo.

Já no início do Séc. XX a municipalidade reassumiu os serviços de coleta e destinação do lixo e durante décadas os incineradores, como o de Pinheiros, da Vergueiro e o da Vila Maria queimaram o lixo da população paulistana, até serem desativados.

Incinerador Vergueiro. 1972.
Incinerador Vergueiro. 1972.

Atualmente os resíduos coletados na capital são destinados a dois aterros sanitários, um na Zona Leste e outro na Zona Sul. Eles se diferem dos “lixões”, por contar com estrutura e política de manejo de resíduos.

Todavia vale lembrar que normalmente, a vida útil ideal de um aterro sanitário é 10 anos, mas alguns não chegam a durar esse tempo e quando o aterro esgota sua capacidade, é preciso fechá-lo e providenciar medidas como o reflorestamento, para diminuir os impactos ambientais.

Mesmo depois de encerradas as operações, gás e chorume continuam sendo gerados por pelo menos 15 anos. Sendo assim, não se recomenda que o terreno seja usado, por exemplo, para construções.

Monumento ao Trabalhador do Asseio, Conservação e Limpeza Urbana

Você sabia que a capital paulista abriga um monumento dedicado aos profissionais de limpeza urbana? Pois é, desde 2011 a cidade conta com essa homenagem em uma praça da região central.

Estátua em homenagem ao Gari, na praça Marechal Deodoro.
Estátua em homenagem ao Gari, na praça Marechal Deodoro.

O Monumento ao Trabalhador do Asseio, Conservação e Limpeza Urbana é um conjunto escultórico localizado na Praça Marechal Deodoro e foi criado por Murilo Sá Toledo. O conjunto foi encomendado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Prestação de Serviços de Asseio, Conservação e Limpeza Urbana de São Paulo e doado à cidade no aniversário de seus 457 anos.

Quatro figuras em tamanho real, feitas de bronze, compõem a obra: uma copeira, um jardineiro, uma faxineira e, naturalmente, um gari.  As obras que estão instaladas diretamente no chão, ao nível dos pedestres, com o sentido de lembrar que estes profissionais não são mais nem menos do que qualquer um, são iguais.

Assim pensando, que tal então começarmos a olhar com mais empatia e respeito o gari, desejando cotidianamente não apenas um bom dia, uma boa tarde, e sim um muito obrigado pelo trabalho essencial que realizam para o bem estar de uma população gigantesca como São Paulo.

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