Na semana do Dia Nacional da Mata Atlântica, um bioma que ocupou quase toda a faixa litorânea do Brasil, abrigo natural da árvore que denomina nossa nação, há pouco o que comemorar. São Paulo tem uma intrínsica relação com a Mata Atlântica e mesmo com seu crescimento desordenado há mais de um século, pequenos remanescentes deste bioma ainda podem ser encontrados pela capital.

Ao chegarem às terras da América do Sul, no final do Séc. XV, início do Séc. XVI os europeus se depararam primeiramente com um continente com uma faixa costeira de vegetação exuberante, diversa, com árvores desconhecidas, animais endêmicos e de uma beleza ímpar: a Mata Atlântica, cobertura vegetal que ia de forma contínua do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul.
Pouco mais de 500 anos depois da chegada dos “descobridores”, este importante bioma se reduz a faixas isoladas remanescentes, sufocadas pela industrialização, pela expansão agrícola e imobiliária.
O estado e a cidade que mais se desenvolveram no país desde o final do Séc. XIX tem grande relevância na degradação deste bioma, fruto de uma mentalidade de que o progresso precisa ocupar seu espaço sobre a natureza. Sem aqui entrar no mérito deste pensamento, fato é que hoje restam apenas 12,4% da cobertura original da Mata Atlântica no Brasil, segundo a Fundação SOS Mata Atlântica e a capital e região metropolitana reservam ainda espaços para se contemplar, conhecer e aprender a preservar o que ainda resta deste importante ecossistema.
Dia Nacional da Mata Atlântica teve inspiração nas cartas de Anchieta
A criação de um dia para refletir sobre o bioma foi oficializada por meio de um decreto presidencial em 21 de setembro de 1999. A escolha da data é uma homenagem à carta escrita por São José de Anchieta em 1560, na qual descreveu pela primeira vez as belezas e a diversidade das florestas tropicais do litoral brasileiro, especificamente na região de São Vicente, SP.

José de Anchieta e Manuel da Nóbrega foram missionários católicos enviados ao Brasil com a missão de “converter” os nativos (habitantes originários) à fé católica. Foi por iniciativa destes religiosos que a região litorânea do estado começou a ser povoada e, no ano de 1554, em uma colina no centro da atual cidade de São Paulo, foi fundada a cidade.
Ao contrário dos embates ideológicos que permeiam a sociedade contemporânea sobre as questões relativas ao progresso desenfreado sobre áreas naturais e a sua preservação, até meados da primeira metade dos Séc. XX essa preocupação inexistia na sociedade. Mata no chão era sinônimo de progresso e dinheiro.
Tanto assim que a árvore que dá nome ao nosso país, o Pau-Brasil, quase foi extinta por sua exploração intensa entre os séculos XVI e XIX.
De coloração avermelhada intensa, o Pau-Brasil era utilizado como corante pelos povos europeus. Ironicamente, o que impediu a extinção completa da árvore foi o desenvolvimento de corantes químicos mais baratos, a partir do Séc. XIX.
Realidade atual da Mata Atlântica
A Mata Atlântica é um dos biomas mais ricos em biodiversidade do mundo. Estima-se que ela abrigue cerca de 20.000 espécies de árvores e arbustos, 261 espécies de mamíferos, 620 de aves, 200 de répteis e 280 de anfíbios.
Dados recentes de organizações como a Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) indicam que restam apenas cerca de 12,4% da cobertura original da Mata Atlântica no Brasil. Esses remanescentes encontram-se, em sua maioria, fragmentados e isolados, dificultando a sobrevivência de espécies e tornando plantas e animais mais vulneráveis à sua própria sobrevivência.

Atualmente, o estado de São Paulo detém cerca de 22,9% de sua cobertura vegetal original de Mata Atlântica, segundo dados do Atlas da Mata Atlântica (SOS Mata Atlântica/INPE). Embora seja um percentual superior à média nacional dos remanescentes, a pressão sobre esses fragmentos é intensa, especialmente nas áreas metropolitanas.
Na cidade de São Paulo e seu entorno, a situação é ainda mais emblemática. A mancha urbana avançou sobre vastas áreas de floresta e, de forma aparente, não existem políticas públicas efetivas para minimizar o impacto que o avanço de áreas urbanizadas continue a causar em áreas remanescentes.
Ainda segundo a Fundação SOS Mata Atlântica, 41,3% da vegetação nativa no Brasil está em propriedades privadas, sendo 80% na Mata Atlântica. Em outras palavras, apenas 20% do remanescente da Mata Atlântica tem alguma salvaguarda das esferas públicas.
A sobrevivência do bioma encontra-se basicamente nas decisões de indivíduos, o que não é exatamente uma boa notícia, já que, independentemente das boas ou más intenções dos proprietários de terra, essas áreas ficam fora de políticas públicas de conservação e à sorte de decisões individuais.
Remanescentes na metrópole podem ser visitados pela população
A capital paulista e a região metropolitana ainda abrigam importantes remanescentes de Mata Atlântica, cruciais para a qualidade de vida, regulação hídrica e conservação da biodiversidade local.
Esses fragmentos funcionam como refúgios para a fauna e flora, além de oferecerem serviços ecossistêmicos vitais, como a produção de água e a regulação climática. Áreas como a Serra da Cantareira e Serra do Mar, em maior escala, cumprem esta função.
Áreas menores, cercadas pela mancha urbana da capital, porém, também contribuem localmente para a manutenção da biodiversidade, ainda que, sem se integrarem a um ecossistema ideal, com área contínua e extensa, preservado em suas características.
Ainda assim os paulistanos e moradores de cidades vizinhas que desejam ter um contato direto com a riqueza da Mata Atlântica, contam com opções de parques que oferecem trilhas, contato com a natureza e educação ambiental. Conheça alguns deles.
Parque Estadual da Cantareira (Núcleos Engordador, Pedra Grande, Águas Claras, Cabuçu)

Um dos maiores parques urbanos de floresta nativa do mundo, o Cantareira é fundamental para o abastecimento de água da cidade. Oferece trilhas com diferentes níveis de dificuldade, mirantes com vistas espetaculares (como a Pedra Grande) e rica fauna e flora.
Ele abrange os municípios de São Paulo, Guarulhos, Mairiporã e Caieiras e há algumas opções de acesso ao parque, sendo duas as principais: o chamado Núcleo Pedra Grande: Rua do Horto, 1799 – Horto Florestal e o Núcleo Engordador: Av. Cel. Sezefredo Fagundes, 19100 – Jardim Cachoeira.
Gerido pela Fundação Florestal, o parque foi concedido à exploração pela iniciativa privada e há cobrança de ingresso para visitação, cujos valores começam em R$ 30,00. Antes de fazer a visitação convém checar as informações no site oficial:
https://florestacantareira.urbiapass.com.br
Parque Estadual do Jaraguá

Abriga o Pico do Jaraguá, ponto mais alto da cidade de São Paulo, com trilhas que levam ao cume e oferecem vistas panorâmicas. Possui áreas para piquenique e contato com a natureza. O acesso ao parque fica naRua Antônio Cardoso Nogueira, 539 – Vila Chica Luisa
A visitação é gratuita, mas é bom checar horários de funcionamento e demais regras para visitação às trilhas em: https://jaragua.ingressosparquespaulistas.com.br/
Parque Estadual da Serra do Mar (Núcleos próximos à Capital, como o Núcleo Curucutu e Itutinga-Pilões)

É o maior corredor de Mata Atlântica preservada do Brasil e abrange vários municípios de São Paulo. Os núcleos próximos à capital oferecem trilhas imersivas, cachoeiras e uma rica biodiversidade. O Núcleo Curucutu é conhecido pelos campos nebulares e nascentes. Itutinga-Pilões preserva patrimônio histórico-cultural.
Os valores de ingressos podem variar por núcleo. Alguns são gratuitos, outros cobram taxas.
Para consultar os horarios, acessos, valores e regras de visitação acesse:
https://www.ingressosparquespaulistas.com.br
Parque Estadual das Fontes do Ipiranga

A área urbana da capital também oferece áreas remanescentes de Mata Atlântica e uma das principais é o Jardim Botânico, localizado no Parque Estadual das Fontes do Ipiranga.
O acesso é feito pela Av. Miguel Estefano, 3031 – Vila Água Funda e há cobrança de ingresso para acesso, que custam a partir de R$ 10,00.
Consulte https://guiadeareasprotegidas.sp.gov.br/ap/parque-estadual-das-fontes-do-ipiranga-pefi/
Parque Natural Municipal Fazenda do Carmo

Localizado na Zona Leste de São Paulo, é uma importante área de conservação com trilhas, fauna e flora representativas da Mata Atlântica, fica na Estrada da Fazenda do Carmo, 350 – Gleba do Pêssego e tem acesso gratuito.
Parque Cidade de Toronto

Embora seja um parque urbano com áreas ajardinadas artificialmente, possui um trecho de mata ciliar preservada e iniciativas de plantio de espécies nativas da Mata Atlântica. Tem acesso gratuito e fica na Av. Cardeal Motta, 84 – City América.
Parque Tenente Siqueira Campos

Mais conhecido como “Parque Trianon”, é uma importante área remanescente de Mata Atlântica em uma das regiões mais emblemáticas da capital paulista.
Oficialmente fica na rua Peixoto Gomide, 949 – Cerqueira César, mas tem acesso também pela Avenida Paulista, bem em frente ao Museu de Arte de São Paulo, MASP, e pela Alameda Jaú.
Parque Burle Marx

Localizado na Av. Dona Helena Pereira de Moraes, 200 – Vila Andrade, é um espaço que conta com áreas de trilha (sendo três de diferentes tamanhos e dificuldades), o Bosque das Jabuticabeiras, um grande gramado central, playground, horta comunitária, estação de compostagem, espaço para piquenique e eventos. Algumas construções importantes para a história e a arquitetura nacionais, como a Casa de Taipa e Pilão, utilizada pelo “Ciclo Bandeirista”, e o Jardim Burle Marx, compõe ainda as atrações do parque..
Fundação Maria Luisa e Oscar Americano

Foi instituída por Oscar Americano, em março de 1974, dois anos após o falecimento de Maria Luisa Ferraz Americano, doando à cidade de São Paulo, além da casa em que viveram com os filhos durante 20 anos, a coleção de obras de arte e um extenso parque.
Preservando a natureza, reunindo peças e documentos ligados à história do Brasil, realizando cursos, concertos e outras atividades culturais, a Fundação Maria Luisa e Oscar Americano oferece aos visitantes um panorama do passado e do presente do País. Ampliado e enriquecido continuamente, o espaço da Fundação permite uma visão das diversas etapas de nossa história.
O parque que abriga a fundação totaliza 75 mil metros quadrados, sendo uma das mais importantes reservas ecológicas da cidade de São Paulo. Oferece ao público a oportunidade de passear, ler, meditar ou brincar com as crianças em meio a natureza.
O local tem trilhas autoguiadas com dez setores propostos, observando as 29 espécies identificadas, tais como: Pau – ferro, Pau – brasil, Jacarandá-da-bahia e Angico-vermelho.
Fica na Av. Morumbi, 4077 – Morumbi e tem acesso gratuito.
https://www.fundacaooscaramericano.org.br
Claro São Paulo conta com outros parques, como o próprio Ibirapuera, o Fernando Costa (Água Branca), o da Aclimação, o Augusta, o Guarapiranga e outros, que valem a visita, porém representam menos espécies vegetais originais e a introdução de espécies “exóticas”.
Seja nestes parques “artificiais” seja nos remanescentes originais de um dos mais importantes biomas do país, vale a reflexão, nesta semana do Dia Nacional da Mata Atlântica, sobre como nossas ações influenciam e como o poder público gerencia e pensa na preservação das remanescente áreas da Mata Atlântica.
Uma última reflexão
No último dia 23 de maio, faleceu em Paris, senão o mais importante fotógrafo “social” brasileiro, um dos maiores. Sebastião Salgado, mineiro de Aimorés, Sebastião salgado apontou sua câmera para a realidade dura de uma camada da população mundial representada por trabalhadores pobres, lavradores, migrantes, pessoas em vulnerabilidade e a natureza.
Retratou em uma trilogia composta por três livros: “Trabalhadores”, “Exodus” e “Gênesis” a complexa relação do homem, como indutor, protagonista e ao mesmo tempo vítima de seu próprio desenvolvimento e a relação deste com a natureza.
Salgado e sua esposa Lelia, criaram em 1998 o Instituto Terra, cuja primeira ação foi promover a recuperação de uma área degradada de Mata Atlântica em uma propriedade da família de Salgado.
Mais de 2.000 hectares de área degradada foram recuperadas, com o plantio de 3 milhões de árvores nativas.
A atuação do instituto foi ampliada posteriormente a outros locais. com estímulos a proprietários de terra da bacia do rio Doce em Minas Gerais e no Espírito Santo proteger os seus mananciais, através da doação de materiais, apoio e infraestrutura para reflorestamento com Mata Atlântica Até 2021, pelo menos 2 mil nascentes já haviam sido atendidas pelo Instituto Terra, um exemplo de que a mobilização da sociedade é, ainda, capaz de reverter os danos à Mata Atlântica.

Fazenda Bulcão, em Aimorés, MG. Ants e depois do reflorestamento.