Uma breve história da presença japonesa na cidade de São Paulo

Em 18 de junho de 1908, atracava no terminal de passageiros do Porto de Santos a embarcação Kasato Maru, trazendo os primeiros 781 imigrantes japoneses a bordo. Sua chegada representava o início da troca de experiências, hábitos, culturas, práticas religiosas e gastronômica que marcaria para sempre a história do Brasil e ajudaria a moldar também a capital paulista como a conhecemos hoje.

A chegada dos primeiros imigrantes japoneses ao Brasil aconteceu de forma estimulada por parte do governo brasileiro, que necessitava de mão-de-obra para a produção agrícola. Naquele início do Séc. XX, vale lembrar que muitos dos imigrantes que anteriormente haviam desembarcado para trabalhar na agricultura passou a suprir a necessidade de um parque industrial crescente em São Paulo.

Da parte dos japoneses, o país também passava por um processo de industrialização, mas era um país eminentemente rural, com uma superpopulação no campo.

Somava-se a isso conflitos como a guerra Russo-Japonesa (1904-1905) que geravm tensões econômicas e sociais, empurrando muitas famílias a buscar melhores condições de vida no exterior.

O governo japonês passou assim a incentivar a emigração como uma forma de aliviar a pressão demográfica e social, além de buscar oportunidades econômicas para seus cidadãos em outros países. Antes do Brasil, já havia fluxos migratórios para os Estados Unidos, Peru e México.

Retrato de parte dos imigrantes japoneses que chegaram no Kasato Maru.
Retrato de parte dos imigrantes japoneses que chegaram no Kasato Maru.

Do lado brasileiro, as vastas lavouras de café, principalmente no estado de São Paulo, demandavam um grande número de trabalhadores. Inicialmente, o foco da imigração foi na Europa, mas com a diminuição do fluxo europeu e a busca por novas fontes de trabalhadores, o Japão surgiu como uma alternativa.

Assim, a imigração japonesa foi resultado de um acordo entre os governos brasileiro e japonês que oferecia passagens subsidiadas pelo governo brasileiro, as fazendas e companhias de imigração, subsidiavam total ou parcialmente os custos da viagem.

Os imigrantes chegavam com contratos para trabalhar nas fazendas de café, já com seus salários acordados e, em alguns casos, a possibilidade de aquisição de terras após o cumprimento do contrato.

Os Primeiros Destinos e as Dificuldades

Os imigrantes do Kasato Maru, originários principalmente das cidades de Okinawa, Kagoshima e Yamaguchi, após serem recebidos no Porto de Santos, foram primeiramente acolhidos na Hospedaria de Imigrantes do Brás, em São Paulo. De lá, a grande maioria foi direcionada para as fazendas de café no interior do estado, em cidades como Ribeirão Preto, Campinas, e em fazendas como a Fazenda Dumont, que recebeu um grande contingente.

No entanto, as condições de vida e trabalho nessas fazendas eram frequentemente difíceis, a começar pela barreira linguística e cultural. A comunicação era um desafio imenso, e os costumes e hábitos brasileiros eram muito diferentes dos japoneses, gerando um forte choque cultural.

Família de imigrantes japoneses na cidade de Bastos, interior de SP, na década de 30.
Família de imigrantes japoneses na cidade de Bastos, interior de SP, na década de 30.

Os salários eram muitas vezes abaixo do esperado, e o sistema de “parceria” ou “colonato” nem sempre era vantajoso, levando muitos a um endividamento com os empregadores.

O clima tropical também dificultou muito a adaptação dos primeiros imigrantes. Muitos sofreram com a adaptação ao calor e umidade e com doenças como a malária, que eram desconhecidas para eles.

Apesar dos incentivos e promessas, a realidade impôs grandes desafios a esses pioneiros, mas, como os brasileiros viriam a conhecer a partir de então, resiliência e determinação são palavras que definem bem duas das principais características dos japoneses.

A vida na metrópole passou a ser considerada uma alternativa

As questões relacionadas à dificuldade com o clima ajudaram os imigrantes a buscar outros caminhos. Muitos decidiram migrar para a capital paulista e cidades vizinhas. Em São Paulo, eles se estabeleceram em diversas regiões, mas o bairro da Liberdade se tornaria o grande polo da comunidade japonesa.

A Liberdade, na época, era uma área mais acessível e com aluguéis mais baratos em comparação com outras regiões de São Paulo e, além disso, sua proximidade com o centro da cidade facilitava o acesso a oportunidades de trabalho urbano, como pequenos comércios, lavanderias, serviços domésticos e outras atividades que não exigiam grandes investimentos iniciais.

Sede do "Bunkyo", Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, onde fica o Museu da Imigração Japonesa", na Liberdade.
Sede do “Bunkyo”, Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, onde fica o Museu da Imigração Japonesa”, na Liberdade.

À medida que os primeiros imigrantes japoneses se estabeleciam na Liberdade, a presença de compatriotas criava um ambiente de apoio mútuo, assim como acontecera com os árabes, na região da Vinte e Cinco de Março, ou os judeus, no Bom Retiro.

A formação de uma comunidade facilitava a adaptação em um país estranho, ajudando na superação da barreira linguística e cultural. Eles podiam compartilhar informações sobre empregos, moradia, e oferecer suporte social e emocional. Essa rede de solidariedade era fundamental para a sobrevivência e o progresso dos recém-chegados.

A concentração de imigrantes no bairro permitiu o surgimento de pequenos negócios voltados para as necessidades da própria comunidade. Lavanderias, pensões, armazéns que vendiam produtos japoneses (alimentos, utensílios), e posteriormente restaurantes, começaram a florescer. Inicialmente criados para atender as necessidades da comunidade, estes estabelecimentos serviam como pontos de encontro e desenvolvimento de atividades religiosas.

Com o tempo, a Liberdade foi sendo adaptada para refletir a cultura japonesa, uma história controversa, que foi durante muito tempo “invisibilizada”, mas que hoje é tema de muita reflexão na sociedade paulista.

O bairro negro que teve sua identidade ligada aos japoneses

 Óbvio é que ninguém contexta a importância dos japoneses na formação da sociedade paulistana, mas, assim como aconteceu com o bairro do Bixiga, frequentemente associado à ocupação Italiana, durante anos as origens quilombolas dos dois lugares foi esquecida, tamanha a influência destas duas colônias na São Paulo do Séc. XX.

Originalmente, o bairro da liberdade era predominantemente habitado pela comunidade de pessoas negras, muitos ex-escravizados. Era conhecido por seus cortiços e por alí haver um Pelourinho, local de “punição” de negros rebelados por sua condição de escravizados, durante o período colonial. 

Estátua de Madrinha Eunice, fundadora da Escola de Samba Lavapés, a primeira da capital paulista, que ficava na Liberdade.
Estátua de Madrinha Eunice, fundadora da Escola de Samba Lavapés, a primeira da capital paulista, que ficava na Liberdade.

A atual “Praça da Liberdade” era na verdade o “Largo da Forca”, onde eram executados não apenas escravos “rebeldes”, mas aqueles considerados criminosos.

Em 1821, um soldado chamado Chaguinha, condenado à morte por liderar uma rebelião por pagamento de soldo, sobreviveu a duas tentativas de enforcamento, ao que o público atribuía a um milagre e passava a gritar “liberdade”.

Só foi finalmente morto após o carrasco usar um laço de vaqueiro. Chaguinha, então, se tornou um santo padroeiro do bairro e protetor da Capela dos Aflitos, onde esteve antes de ser levado à forca, e da Igreja Santa Cruz dos Enforcados, construída décadas mais tarde em frente à praça.

O bairro da Liberdade nasceu sobre um cemitério, o Cemitério dos Aflitos, construído em 1774, onde eram enterrados pobres, indigentes e escravos. Quase na mesma época, em 1779, foi erguida a Capela dos Aflitos. 

Foi o bairro em que, após a abolição da escravidão em 1888 e sem direitos básicos, a população negra se concentrava em busca de trabalho. Era inegavelmente um bairro negro. 

Com a chegada de imigrantes japoneses, consciente, ou inconscientemente, iniciou-se um processo de gentrificação que empurrou a população pobre e negra para as periferias da cidade.

A Liberdade Japonesa dos costumes gastronomia e religiosidade

A transformação da Liberdade em um bairro de características nipônicas foi um processo de intensa aculturação e reinvenção, até mesmo arquitetônica, também um outro ponto controverso de sua ocupação.  

As mudanças arquitetônicas dos logradouros públicos foi incentivada com a instalação de lampiões japoneses e os torii (portais típicos de templos xintoístas). As fachadas ganharam ares orientais e o bairro foi se identificando cada vez mais com a cultura japonesa.

A ocupação da Liberdade pelos japoneses introduziu na cultura paulistana hábitos e sabores até então desconhecidos. A gastronomia é, sem dúvida, uma das mais visíveis contribuições dos japoneses. 

A Liberdade ganhou ares japoneses muito em razão do turismo.
A Liberdade ganhou ares japoneses muito em razão do turismo.

Antes de sua chegada a culinária paulistana era marcada por influências indígenas e depois europeias. O sushi, o sashimi, o tempurá e o yakisoba eram pratos completamente desconhecidos por aqui.

Se inicialmente essas comidas “estranhas” eram consumidas no âmbito da colônia, com o tempo e a curiosidade, os paulistanos foram desvendando os sabores únicos da culinária japonesa. Restaurantes como o Mariko, fundado nos anos 1960, ajudaram a popularizar a comida oriental, adaptando-a ao paladar local sem perder sua essência (embora se veja por aí cada “releitura” duvidosa). 

Hoje, São Paulo é um dos maiores centros de culinária japonesa fora do Japão, com uma infinidade de restaurantes que atendem a todos os gostos e bolsos, desde os mais tradicionais até os mais inovadores.

Além da gastronomia, os japoneses trouxeram consigo novas práticas religiosas, principalmente o Budismo, originário da Índia e difundido por toda a Ásia, que tem como figura central Siddhartha Gautama, o Buda. Seus ensinamentos focam na busca pela iluminação, na superação do sofrimento e na prática da compaixão e da sabedoria.

O Budismo chegou a São Paulo com os primeiros imigrantes, que buscavam manter suas tradições e oferecer conforto espiritual em terras estrangeiras. 

Inicialmente, as práticas eram realizadas em residências e pequenos salões. Com o crescimento da comunidade, começaram a surgir os primeiros templos. 

São Paulo conta com diversos templos budistas, representando diferentes escolas e tradições, sendo que um dos mais antigos é o Templo Busshinji (Jodo Shinshu),  localizado na Liberdade é sede da Igreja Budista Jodo Shinshu do Brasil.

O legado de japoneses na cidade

A comunidade japonesa e seus descendentes produziram inúmeras personalidades que se destacaram em diversas áreas, deixando um legado duradouro para São Paulo e para o Brasil. 

As quatro lâminas de concreto criadas por Thomie Ohtake simbolizam as quatro ondas migratórias japonesas para o Brasil.
As quatro lâminas de concreto criadas por Thomie Ohtake simbolizam as quatro ondas migratórias japonesas para o Brasil.

A japonesa Tomie Ohtake é um dos maiores nomes da arte moderna brasileira. Suas obras abstratas e monumentais, como as curvas do Instituto Tomie Ohtake, esculturas públicas como as “ondas” da avenida Vinte e Três de Maio, na verdade o “Monumento à Imigração Japonesa”

Seus filhos, Ricardo e Ruy Ohtake, também arquitetos renomados, são responsáveis por projetos icônicos na cidade, como o Hotel Unique (Ricardo) e o Parque Burle Marx (Ruy), evidenciando a influência nipônica na arquitetura contemporânea paulistana.

O empresário japonês Hideaki Iijima fundou em São Paulo uma rede de salões de cabeleireiros chamada Soho, muito famosa nos anos 1990/2000. Jooji Hato, Diogo Nomura e João Sussumu Hirata são três nomes pioneiros da comunidade japonesa na política paulistana.

No âmbito da cultura e lazer, são frequentes as feiras de intercâmbio Brasil-Japão, sendo a mais famosa o “Festival do Japão”, que atualmente acontece anualmente no São Paulo Expo e atraí cerca de 180 mil visitantes a cada edição.

Turistas visitam o Parque do Carmo, no Festival das Cerejeiras.
Turistas visitam o Parque do Carmo, no Festival das Cerejeiras.

Outro evento emblemático da cultura japonesa em São Paulo é a “Festa  das Cerejeiras”, que acontece há mais de 42 anos no Parque do Carmo, no bairro de Itaquera.

A Sakura, nome japonês da cerejeira, floresce por poucos dias, sempre no mês de agosto. A celebração tipicamente japonesa acontece todos os anos no Parque do Carmo, na zona leste da cidade, onde há mais de 4.000 árvores no Bosque das Cerejeiras.

Neste ano a 45ª Festa das Cerejeiras acontece nos dias 25, 26 e 27 de julho e 1, 2 e 3 de agosto, no Parque do Carmo “Olavo Setúbal”, Avenida Afonso de Sampaio e Souza, 951 Itaquera.

https://bunkyo.org.br/br/museu-historico

https://www.museudaimigracao.org.br/blog/conhecendo-o-acervo/hospedaria-de-historias-o-kasato-maru-e-a-hospedaria-de-imigrantes-do-bras

https://pt.wikipedia.org/wiki/Kasato_Maru

https://www.br.emb-japan.go.jp/110anos/110.html

https://www.instagram.com/p/DLlVm4hP8ny

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