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Uma reflexão sobre as águas na capital paulista

A cidade de São Paulo nasceu em uma colina na confluência de dois grandes rios, o Tamanduateí e o Anhangabaú que hoje têm seus cursos modificados e retificados, assim como grande parte dos rios paulistanos que a despeito do descaso do poder público e do desconhecimento da população da cidade insistem em se manterem vivos abaixo de nossos pés.

 O dia 22 de março é considerado o Dia Mundial da Água, uma data escolhida pela Organização das Nações Unidas para publicar a “Declaração Universal dos Direitos da Água”, um documento que simbolicamente “estabelece” o que a humanidade deve fazer para preservar este bem sem a qual a vida na terra seria impossível.

Na prática serve mais como uma reflexão sobre como a humanidade deveria se relacionar com a água de forma ideal para preservar os recursos hídricos do planeta e o acesso igualitário de todos os povos à água de qualidade, o que, sabemos é uma utopia pois a água, para além de um bem universal, se tornou uma mercadoria.

Tem acesso à água de qualidade quem pode pagar por ela. Quem não pode, fica à margem de contar com serviços de saneamento e uma água adequada para se viver. Talvez aqui e no sistema capitalista que vigora na maioria dos países do mundo, resida a grande reflexão sobre o tema.

São Paulo, uma cidade sobre rios

Mapa hidrográfico da prefeitura de SP. Estima-se que mais de 500 rios e cursos d'água cortam a capital paulista.
Mapa hidrográfico da prefeitura de SP. Estima-se que mais de 500 rios e cursos d’água cortem a capital paulista.

Pode não parecer, mas quem transita em transporte público, com seu veículo ou a pé, pelas avenidas e ruas da capital, em boa parte dos trajetos pela metrópole está rodando ou caminhando sobre rios e cursos d ‘água.

Não à toa muitos bairros e locais da cidade fazem referência aos rios que ali existem, ainda que escondidos. Água Branca, Água Funda, Av. Água vermelha (atual complexo viário Maria Maluf), Av. Água Espraiada (atual Roberto Marinho), Av. Pirajussara (sob o rio de mesmo nome), Av. Cabuçu, Vale do (rio) Anhangabaú, são alguns exemplos.

Atualmente, escondidos sob o asfalto, canalizados em galerias subterrâneas e “invisíveis” à população da cidade, os rios paulistanos sofrem com o descaso de quem vive na cidade e de quem a administra. Afinal, ninguém se “lembra” de cuidar das águas quando não são vistas, nem o morador, nem o gestor.

Mas os rios da metrópole foram decisivos para sua constituição e mesmo para seu desenvolvimento.

O historiador Luís Soares de Camargo, em sua tese de doutorado, defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), lembra que a própria escolha do local para a criação da vila que originou a cidade baseou-se na proximidade de dois cursos d’água: o Anhangabaú e o Tamanduateí. “Serviam para a pesca e para levar embora o esgoto e o lixo produzido”, relata.

E foi esse segundo uso o causador de uma mudança de visão à medida que a cidade crescia. “Tais rios, que eram tão importantes, passaram a ser fator de medo e apreensão por conta dos perigos que passaram a representar”, afirma. “Assolada por epidemias, a população entendia que áreas pantanosas ou as várzeas úmidas dos rios eram um criadouro de doenças.”

Mapa imperial mostra o traçado dos rios que confluem na região da fundação da cidade.
Mapa imperial mostra o traçado original dos rios que confluem na região da fundação da cidade.

Teorias médicas vigentes à época propunham que o mau cheiro, ao entrar no corpo via respiração, causava doenças. “Assim, áreas úmidas eram consideradas insalubres. E as regiões secas, por sua vez, eram as mais saudáveis”, explica Camargo.

“Não por outro motivo a elite sempre escolhia lugares altos para sua residência. No caso de São Paulo, Higienópolis – a cidade da higiene – se contrapunha ao insalubre Brás, na várzea do Tamanduateí”, diz. O historiador aponta que foi essa “caça aos miasmas” o motivador das políticas de secagem das áreas pantanosas.

Foi por isso que, ainda em 1850, o Anhangabaú tornou-se o primeiro rio canalizado de São Paulo. “No outro lado da cidade, a várzea do Tamanduateí era outro local a ser ‘domado’. As primeiras experiências ocorreram a partir de 1870, quando vários canais foram abertos para dar vazão às suas águas”, relata Camargo.

“No início do século 20, o grande projeto de canalização do Tamanduateí estava sendo completado – e a área ‘saneada’ foi transformada em um grande parque, o Dom Pedro 2º. O Tamanduateí, é claro, foi retificado e canalizado.”

Rio Tamanduateí banha a rua 25 de março antes da retificação.
Rio Tamanduateí banha a rua 25 de março antes da retificação.

É emblemático o acontecido com o Tamanduateí na região central e nem nos damos conta que um logradouro praticamente ao lado da Casa da Boia, tem o seu nome fundamentalmente ligado ao rio. 

A Ladeira Porto Geral, que hoje se encontra praticamente a 500 m da margem do Tamanduateí retificado, foi assim denominada porque no encontro com a rua 25 de março havia nada menos do que um importante porto fluvial, onde embarcações vindas do Tietê e do Tamanduateí carregavam e descarregavam mercadorias que abasteciam a cidade. Isso a pouco mais de 200 m da Casa da Boia.

Hoje os únicos vestígios dos rios da região são percebidos apenas quando o volume de chuvas é tão intenso que os faz transbordar pelos bueiros das ruas do centro. E, quando isso acontece, nosso senso comum nos diz que “o esgoto transbordou”, quando na verdade são os rios.

As águas “domadas” e seu curso natural geraram as enchentes

O paradoxo da relação da cidade com seus rios se dá à medida em que estes, que foram a principal razão do surgimento da cidade no Séc. XVI se tornam um problema para seu crescimento a partir do Séc. XX e, de provedores de solução passam a se tornar “obstáculos” ao progresso.

1929. A primeira grande enchente da capital alaga as ruas do entorno do rio Tietê.
1929. A primeira grande enchente da capital alaga as ruas do entorno do rio Tietê.

O traçado original dos grandes rios que cruzavam a cidade e o natural movimento de cheias que ocupavam as várzeas destes rios passaram a ser encarados como uma “questão a ser solucionada” embora, por conveniência, se esquecera que os cursos desses rios são formações geográficas naturais.

O correto seria que a cidade se adaptasse a eles, mas, as administrações municipais decidiam e decidem que os rios é que precisam se adaptar à cidade.

Daí os processos de retificação e canalização. A cidade tinha que ocupar artificialmente as áreas que pertenciam naturalmente aos rios.

Não bastasse a visão de que os rios agora eram “vilões a serem vencidos”, ao fazê-lo a municipalidade não apenas domou as águas tortuosas, forçando-as a uma retificação, mas ignorou os ciclos naturais das cheias.

2025. Enchentes atingem São Paulo repetidamente a cada verão.
2025. Enchentes atingem São Paulo repetidamente a cada verão.

As retificações dos principais rios da capital (Tietê, Pinheiros e Tamanduateí) foram desastrosos projetos que ao invés de contemplarem a óbvia necessidade de se prever áreas inundáveis em seu entorno, tiveram a pretensão de enclausurar as águas em galerias subterrâneas ou calhas de concreto, soluções de engenharia das quais os rios não tomaram conhecimento, seguindo seu curso de cheias e transpondo os limites impostos artificialmente.

Como resultado da artificialidade das “soluções” um ciclo de enchentes que se repetem a cada temporada de chuvas  a mais de cem anos. Basta uma rápida pesquisa na internet para encontrar centenas de matérias jornalísticas relatando as grandes enchentes paulistanas desde o início do Séc. XX até os dias de hoje.

O saneamento da cidade e a importância da Casa da Boia no período

A questão das águas na metrópole, que se formava no início do Séc. XX não se restringia exclusivamente à retificação dos rios, mas também a uma questão de saúde pública.

Vale lembrar que a São Paulo do período era uma cidade em expansão frenética. Enquanto a antiga elite cafeeira e a nova elite industrial construía suas casas nas regiões distantes dos rios, como o bairro de Higienópolis e a nova Avenida Paulista, justamente as indústrias se instalavam próximo ao leito dos rios, aproveitando de suas águas, assim como, por consequência, a massa de trabalhadores pobres passava a ocupar as regiões próximas, em residências precárias.

Logo se percebeu que essa equação estava provocando problemas com o despejo de dejetos humanos e lixo no leito dos rios. Assim, as autoridades passaram a apertar o cerco com políticas de saneamento básico.

Catálogo da Casa da Boia de 1929 com alguns itens de hidráulica produzidos pela empresa.
Catálogo da Casa da Boia de 1929 com alguns itens de hidráulica produzidos pela empresa.

A Casa da Boia, que já produzia uma extensa linha de produtos voltados às instalações hidráulicas se viu no centro das demandas por materiais como tubos, canos, torneiras, conexões, sifões, válvulas e demais materiais necessários para o intenso processo de urbanização crescente que necessitava cumprir as normas sanitárias.

Como explica a historiadora Renata Geraissati, pesquisadora da história de Rizkallah Jorge Tahan e da Casa da Boia: “A empresa não era a única no período a produzir industrialmente objetos de cobre e hidráulica, mas era talvez uma das poucas a voltar sua produção para o espaço doméstico. Enquanto outras empresas produziam grandes equipamentos, principalmente para as lavouras de café. A Casa da Boia voltava sua produção para solucionar as questões impostas para a construção urbana que atendesse às exigências sanitárias”.

Assim, com a aceleração do crescimento urbano da metrópole no início do Séc. XX, a Casa da Boia teve sua atuação e o crescimento que impulsionou os negócios focados tanto na venda para as pessoas físicas e os construtores da época, quanto para o poder público, contribuindo para a construção das novas casas e edificações da cidade quanto para os próprios sistemas públicos de águas.

Um convite à reflexão

Mais do que um texto conclusivo, este post é um convite à reflexão sobre como nós e o poder público se relacionam com a questão da água em São Paulo.

Até o momento não muito bem, certamente. A questão das enchentes recorrentes já duram mais de 100 anos. Ainda vemos lixo correndo nos cursos d’água visíveis, e certamente, naqueles escondidos de nossas vistas e o processo de ocupação irregular das áreas de nascentes ocorre à vista dos gestores públicos.

Os serviços de saneamento básico e distribuição de água fornecidos pela Sabesp (a companhia de água e esgotos do estado) agora são privatizados.

A capital do estado abriga quase 12 milhões de habitantes e segundo o Instituto Trata Brasil, atende 99,29% da população com acesso à água e 97,31% com coleta de esgoto, indicadores bastante significativos. Porém ainda não resolveu o problema crônico de suas enchentes, ocupação irregular de seus mananciais e descarte de lixo nos rios do município.

Entre uma ponta e outra da questão, entre as soluções e os problemas, estamos nós, habitantes deste mundo chamado São Paulo. Vale lembrar que somos igualmente responsáveis pela forma com que nos comportamos diante do uso da água, por ser parte do problema ou parte da solução.

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