O dia do Cinema Brasileiro e a importância de São Paulo para o cinema nacional

Em 19 de junho o Brasil celebra o Dia do Cinema Brasileiro, uma data que remonta a um marco significativo na história desta arte em nosso país. Em 19 de junho o ítalo-brasileiro Affonso Segretto teria realizado as primeiras tomadas cinematográficas em solo nacional, no ano de 1898. As imagens capturadas por Segretto, que registravam a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, representaram o embrião de uma produção audiovisual que, ao longo dos anos, viria a se consolidar como uma poderosa ferramenta de expressão cultural e social.

As pioneiras tomadas de Segretto, entretanto, foram depois questionadas por pesquisadores, que afirmam que as produções nacionais iniciais foram os curtas-metragens “Chegada do Trem em Petrópolis”, “Ancoradouro de Pescadores na Baía de Guanabara”, “Bailado de Crianças no Colégio no Andaraí” e “Uma Artista Trabalhando no Trapézio do Politeama”, todos datados de 1897. 

Affonso Segreto, considerado o primeiro cineasta do Brasil.
Affonso Segreto, considerado o primeiro cineasta do Brasil.

Considerado o primeiro filme gravado no Brasil  “Chegada do Trem em Petrópolis”, que supostamente mostra um trem chegando à estação de trem da cidade fluminense com o presidente Prudente de Morais, tem sob si, um quê de desconfiança, pois muitos pesquisadores alegam que o local é na verdade uma estação de trens na Europa. Sem poder provar, ou não, a autenticidade da filmagem, voltamos à importância de Segreto.

Afonso Segreto era o responsável pela aquisição de filmes para exibição em um cinema do Rio de Janeiro. Em uma das viagens que fazia à Europa para adquirir filmes, em 1898, ele trouxe uma filmadora ao Brasil e, quando chegou, gravou “Uma Vista da Baía de Guanabara”. Esta é a filmagem de 19 de junho de 1898 que deu origem à data do Dia do Cinema Brasileiro.

Mas… nenhuma cópia desse filme foi preservada, o que faz com que sua existência também seja questionada.

Ainda que exista esta questão toda envolvendo as datas e autenticidade dos primeiros filmes nacionais, fato é que mantém-se o dia 19 como uma homenagem a Segreto. 

As primeiras produções nacionais eram, em grande parte, documentais, registrando o cotidiano das cidades e eventos importantes. Nossa produção ainda não contemplava a ficção, mas sim o registro factual que nem tinha exatamente a estrutura de um documentário, como conhecemos hoje.

Porém, um dos grandes nomes dessa fase inicial do cinema, introduzindo a linguagem ficcional às produções foi Francisco Marzullo, considerado um dos precursores do gênero no Brasil. 

Ele lançou em 1908, o curta metragem “Os Estranguladores”, considerada a primeira obra de ficção do cinema Brasileiro.

Já o primeiro longa-metragem viria apenas em 1914, sob o título de “O Crime dos Banhados” e com direção de Francisco Santos. Com duas horas de duração, a gravação baseava-se em um crime real ocorrido no interior do Rio Grande do Sul, quando um pequeno proprietário rural teve sua família assassinada.

Havia ainda nesses momentos iniciais os filmes “cantados”, que basicamente eram dublados pelos atores por trás da tela, já que o cinema era mudo na época.

A influência de Hollywood nas primeiras produções comerciais nacionais

Cena de "O Ébrio", da Cinelândia, um dos primeiros grandes sucessos de nosso cinema.
Cena de “O Ébrio”, da Cinelândia, um dos primeiros grandes sucessos de nosso cinema.

Com o início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a produção do cinema europeu entrou em baixa, de modo que as salas de exibição brasileiras tiveram seus filmes essencialmente europeus substituídos pela programação hollywoodiana dos Estados Unidos.

A entrada dessas produções no país foi facilitada pelas políticas de isenção de impostos, o que, por outro lado, acabou por enfraquecer o progresso do cinema nacional que engatinhava.

Assim, o primeiro grande estúdio do Brasil, a Cinédia, foi criado no Rio de Janeiro apenas em março de 1930. Mas o estúdio, de grande porte, começou a produzir filmes importantes como “Limite” (1931), de Mario Peixoto, “A Voz do Carnaval” (1933), de Ademar Gonzaga e Humberto Mauro, e “Ganga Bruta” (1933) de Humberto Mauro.

Também foi nesse período que começaram a ser produzidos os primeiros filmes com som, sendo a comédia “Acabaram-se os Otários” (1929), de Luiz de Barros, o grande pioneiro da categoria no Brasil.

A Cinédia passou a produzir algumas obras que deram origem a um gênero conhecido como chanchadas, comédias meio ingênuas com temas da cultura popular, especialmente o Carnaval, e que misturavam a seus enredos humorísticos, peças musicais, a exemplo das produções norte-americanas.

Carmen Miranda foi a mais expressiva atriz desta época, tendo participado de filmes como Alô, Alô, Brasil e Alô, Alô, Carnaval. A “pequena notável”, como era chamada, era portuguesa de nascença, brasileira “de coração” e foi a primeira atriz de nossas terras a ter uma passagem pelo cinema norte americano.

São Paulo assume o protagonismo de uma produção em escala industrial

Gravação do filme "Tico Tico no Fubá", nos estúdios Vera Cruz.
Gravação do filme “Tico Tico no Fubá”, nos estúdios Vera Cruz.

O cenário do cinema brasileiro ganhou um novo e importante capítulo com a fundação da Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Idealizada e criada pelo empresário Franco Zampari e pelo produtor Alberto Cavalcanti, a Vera Cruz foi inaugurada em 1949, com a ambiciosa proposta de criar um estúdio cinematográfico nos moldes dos grandes centros de produção de Hollywood ou da Europa. 

Sua sede e os imponentes estúdios ficavam em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, e contava com a mais moderna infraestrutura da época. Não apenas porque Zampari empenhou grande parte de sua fortuna para trazer o que havia de melhor em termos de equipamentos, como trouxe também os melhores técnicos, principalmente europeus, que no período pós 2ª Guerra Mundial, viviam uma Europa devastada e aqui encontraram um promissor campo de trabalho.

Durante sua breve, mas intensa, existência (1949 a 1954), a Vera Cruz produziu uma série de filmes que se tornaram marcos do cinema nacional, dentre os quais “O Cangaceiro” (1953). Dirigido por Lima Barreto. Este filme é considerado um dos maiores sucessos da Vera Cruz e um clássico do cinema brasileiro, projetando internacionalmente atores como Alberto Ruschel e Marisa Prado.

“Tico-Tico no Fubá” (1952): Dirigido por Adolfo Celi, contava a história do famoso compositor Zequinha de Abreu, interpretado por Ankito e tinha a jovem Tonia Carreiro como uma das protagonistas.

“Sinhá Moça” (1953) foi mais um sucesso da Vera Cruz. Dirigido por Tom Payne e Oswaldo Sampaio, com atuação de Eliane Lage e Alberto Ruschel.

Em seu elenco, a Vera Cruz revelou e consagrou talentos como Tarcísio Meira (que fez figurações), Eliane Lage, Alberto Ruschel, Marisa Prado, Eugênio Kusnet e Tonia Carreiro. 

Apesar (e um pouco por causa dos custos) de sua grande qualidade técnica e artística, e do sucesso de crítica e público de suas produções, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz enfrentou dificuldades financeiras e encerrou suas atividades em 1954, deixando para trás um legado de profissionalismo e um sonho ambicioso que marcou profundamente a história do cinema brasileiro.

São Paulo nas Telas: A Cidade Como Palco e Personagem

Gianfranceaco Guarnieri em cena de "Eles Não Usam Black Tie".
Gianfranceaco Guarnieri em cena de “Eles Não Usam Black Tie”.

A cidade de São Paulo não foi apenas um polo de produção com a Vera Cruz. Ela se tornou, com o tempo, um cenário recorrente, ambientação de filmes e, em muitos casos, uma personagem fundamental para diversas produções cinematográficas brasileiras.

A metrópole, com sua diversidade cultural, seus contrastes sociais e sua arquitetura icônica, serviu de inspiração para diretores de diferentes gerações.

Na década de 1960, por exemplo, o movimento do Cinema Novo encontrou em São Paulo um terreno fértil para discussões e realizações. Embora mais associado a temas rurais e à crítica social do Nordeste, o Cinema Novo também abordou questões urbanas.

Filmes como “São Paulo S/A” (1965), dirigido por Luiz Sérgio Person, é um exemplo. Com Walmor Chagas e Eva Wilma no elenco, o filme retrata a alienação e a vida de um jovem engenheiro em meio ao crescimento industrial paulistano, utilizando a cidade como um reflexo de suas angústias.

Cena de "A Hora da Estrela", filme ambientado em São Paulo.
Cena de “A Hora da Estrela”, filme ambientado em São Paulo.

Nos anos 1970 e 1980, São Paulo continuou a ser o pano de fundo para filmes que exploravam desde a comédia e o drama até o suspense. O diretor Carlos Reichenbach é um nome indissociável dessa fase, com obras que frequentemente utilizavam a cidade como elemento crucial de suas narrativas.

Filmes como “Luz del Fuego” (1982), embora não ambientado exclusivamente em São Paulo, mostrava a ousadia do cinema paulista. Já “O Corpo” (1991), de José Antonio Garcia e Eloy Araújo, trouxe o suspense para as ruas da capital.

“Eles Não Usam Black-tie” de 1981, dirigido por Leon Hirszman, baseado na peça homônima de Gianfrancesco Guarnieri é outro grande filme com São Paulo como “personagem” coadjuvante.

A história se passa na capital, em 1980, e narra o conflito entre um jovem operário, Tião, e seu pai, Otávio, líder sindical, durante uma greve na fábrica onde trabalham. Tião, ao descobrir a gravidez de sua namorada, Maria, decide se casar e, para isso, acaba furando a greve, entrando em choque com seu pai e com os ideais de luta operária.

Outros clássicos do cinema nacional são absolutamente identificados com São Paulo:

"O Homem que Virou Suco" é outra produção profundamente identificada com a cidade.
“O Homem que Virou Suco” é outra produção profundamente identificada com a cidade.

“O homem que virou Suco”, conta a história de Deraldo, poeta popular recém-chegado do Nordeste a São Paulo. Aobrevivendo de suas poesias e folhetos que vende pelas ruas do centro, é confundido com o operário de uma multinacional que mata o patrão na festa que recebe o título de operário símbolo.

Deraldo enfrenta a opressão da cidade e da polícia em sua jornada para provar sua inocência.

Em “A hora da Estrela”, Macabéa, uma nordestina de 19 anos, semianalfabeta, orfã de pai, mãe e da tia que a criou, vem para São Paulo ser datilógrafa. Ela vai morar numa pensão paupérrima junto com outras três mulheres,  conhece o nordestino Olímpico de Jesus, um operário metalúrgico, e os dois começam a namorar.

Porém a relação não se sustenta e Olímpico acaba trocando Macabéa. Em uma ida a uma cartomante ela acaba convencida de que sua vida irá mudar repentinamente: ganhará uma grande fortuna e se casará com um gringo lindo. Entusiasmada, Macabéa sai à rua distraída mas é atropelada por um Mercedes e morre.

É icônica a última cena do filme e que no asfalto de uma avenida paulistana ela tem como última recordação a “estrela” da Mercedes que a atropelou.

A produção usa São Paulo como a metáfora de uma vida em que a dura realidade da metrópole sufoca os sonhos de seus moradores mais simples, algo recorrente até hoje.

Cartaz de Carandiru, de Hector Babenco. Produção gravada no então maior presídio do país.

Mais recentemente, São Paulo assumiu papéis ainda mais proeminentes, com filmes que foram grande sucesso de público, como “Carandiru”, de 2003. Dirigido por Hector Babenco, a partir da adaptação do livro homônimo de Dráuzio Varella, o filme recria a realidade da Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru, com um elenco extenso que inclui Luiz Carlos Vasconcelos, Rodrigo Santoro, Gero Camilo e Milton Gonçalves. 

“Estômago” (2007). Dirigido por Marcos Jorge, utiliza a culinária e os restaurantes de São Paulo como pano de fundo para a história de Raimundo Nonato, interpretado por João Miguel.

“Que Horas Ela Volta?” (2015). Dirigido por Anna Muylaert, explora as dinâmicas sociais e de classe em São Paulo através da relação entre uma empregada doméstica (interpretada por Regina Casé) e a família de classe alta para a qual trabalha na capital.

A Biografia de Elis Regina, dirigida por Hugo Prata, no filme “Elis”, de 2016, recria a São Paulo da época de ouro da MPB, com Andreia Horta no papel principal.

Estes são apenas alguns exemplos, mas a cidade serviu de cenário para centenas de outras produções nacionais.

A memória do cinema nacional reside na capital paulistana

No bairro da Vila Mariana, em São Paulo, está localizada a Cinemateca Brasileira, a maior instituição de preservação audiovisual da América Latina e uma das mais importantes do mundo. 

A Cinemateca Brasileira, na Vila Mariana.
A Cinemateca Brasileira, na Vila Mariana.

A Cinemateca foi formada inicialmente a partir do trabalho pioneiro do pesquisador Paulo Emílio Salles Gomes, que já vinha desde os anos 1940 reunindo e preservando filmes.

Foi oficializada em 1949 como Filmoteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo, tornando-se Cinemateca Brasileira em 1956, sob o comando do seu idealizador, Paulo Emílio Sales Gomes, que assumiu as funções de conservador-chefe e diretor da instituição.

Desde 2022, a instituição é gerida pela Sociedade Amigos da Cinemateca, entidade criada em 1962, e que recentemente foi qualificada como Organização Social pelo Governo Federal. Todavia a responsabilidade pela Cinemateca é da Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo.

Estas duas entidades frequentemente discordam em diversos aspectos da gestão deste bem público, colocando em risco um acervo de valor inestimável que é composto por filmes desde o final do século XIX até a produção contemporânea, além de uma significativa quantidade de filmes estrangeiros. 

Seu acervo fílmico conta com mais de 250 mil rolos de filmes, abrangendo cerca de 40 mil títulos.

A cinemateca possuí ainda um rico acervo documental com cartazes, roteiros, fotos de cena, equipamentos cinematográficos, documentos pessoais de cineastas e produtores, recortes de jornais, livros e revistas especializadas.

Todo este vasto material, bem como as instalações físicas da Cinemateca, no antigo Matadouro Municipal, vivem sob a constante tensão da relação conturbada das duas entidades.

Ainda assim, a Cinemateca se mantém como o mais importante centro de memória do cinema nacional.

São paulo e seus Cinemas de Rua

São Paulo vivenciou uma era de ouro dos cinemas de rua entre as décadas de 1950, 1960 e 1970. Esses espaços não eram apenas locais para assistir a filmes; eram verdadeiros palácios cinematográficos, pontos de encontro sociais e centros culturais que ditavam tendências. Cinemas como o Cine Copan, o Cine Marrocos, o Cine Art-Palácio e o Cine Olido eram grandiosos, com fachadas imponentes, saguões luxuosos, poltronas confortáveis e uma capacidade para centenas de espectadores. 

O Cinesesc é um dos cinemas de rua paulistanos que resitem com uma programação voltada à produção independente.
O Cinesesc é um dos cinemas de rua paulistanos que resitem com uma programação voltada à produção independente.

Hoje, o cenário dos cinemas de rua em São Paulo é diferente. Muitos dos antigos e grandiosos cinemas fecharam suas portas, alguns transformados em igrejas, lojas ou foram simplesmente abandonados. A proliferação dos multiplexes em shoppings centers a partir dos anos 1990 mudou drasticamente este hábito do público.

No entanto, há um movimento de resistência e ressignificação dos cinemas de rua, relacionados aos movimentos de valorização de espaços como o centro de São Paulo. 

Os poucos cinemas de rua que sobreviveram ou foram revitalizados hoje se destacam por uma proposta diferente, focando em filmes de arte, produções independentes, mostras e festivais. Além disso, muitos desses cinemas incorporam cafés, livrarias e outros espaços culturais, tornando-se centros de convívio e debate.

Seja como protagonista, como anfitriã das produções, com suas dezenas de salas ou como guardiã da memória do cinema, São Paulo é parte indissociável da história da produção cinematográfica nacional.

https://www.saobernardo.sp.gov.br/web/cultura/cinema-os-100-primeiros-anos-a-historia-do-cinema-brasileiro-em-15-filmes-i

https://mundoeducacao.uol.com.br/artes/cinema-brasileiro.htm

https://www.gov.br/cultura/pt-br

https://cinemateca.org.br/a-cinemateca/

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