No dia do motorista uma reflexão sobre o trânsito e o transporte em São Paulo

São Paulo experimentou um crescimento exponencial no início do Séc. XX que transformou uma vila com características ainda coloniais em uma cidade vibrante, com tudo de bom e ruim que isso significava. Neste contexto, a introdução dos veículos automotores, como os automóveis e ônibus, mudariam para sempre as escolhas urbanísticas da capital.

No dia 25 de julho é comemorado o Dia do Motorista e é impossível se pensar no desenvolvimento da civilização como a conhecemos sem pensar no desenvolvimento dos veículos automotores (sejam eles os automóveis, os ônibus, caminhões e mesmo as motocicletas) e a consequente habilidade do ser humano de aprender a conduzir essas máquinas.

A capital paulista do Séc. XIX tinha uma mancha urbana que, digamos, tornava quase inexistente a necessidade das pessoas possuírem um meio de transporte individual. Os bairros mais populosos se organizavam a poucos quilômetros do centro da cidade, nada que impedisse os menos abastados de caminharem em seus deslocamentos ou os mais ricos a utilizarem serviços de charretes.

Com a expansão da cidade para distâncias cada vez maiores da área central a cidade viu a necessidade de viabilizar meios de transportar as pessoas destes pontos mais distantes aos bairros mais centrais, onde se localizava a vida econômica da cidade.

Surgem os bondes

O último bonde elétrico circulou na cidade até 1968.
O último bonde elétrico circulou na cidade até 1968.

As charretes, veículos de uso praticamente individual, não davam mais conta de transportar as pessoas e surge a demanda do primeiro sistema de transporte coletivo da capital. Os bondes.

Os primeiros bondes em São Paulo foram puxados por burros e começaram a operar em 12 de outubro de 1872. A primeira viagem foi realizada entre a Rua do Carmo e a Estação da Luz. Esses bondes foram uma grande novidade para a época, transformando o transporte coletivo na cidade.

A chegada da eletricidade revolucionou o transporte. Os primeiros bondes elétricos de São Paulo foram inaugurados em 7 de maio de 1900. A empresa responsável por esse avanço foi a São Paulo Tramway, Light & Power Company, conhecida popularmente como “Light”.

A viagem inaugural de um bonde elétrico na capital partiu do Depósito de Carros da Rua Barão de Limeira e seguiu até o Largo São Bento, mudando a paisagem e o ritmo da cidade. 

Vale citar que São Paulo foi a quarta cidade brasileira a ter bondes elétricos, depois do Rio de Janeiro, Salvador e Manaus.

Os bondes, que foram o pilar do transporte coletivo por décadas, começaram a ser vistos como lentos, onerosos e um empecilho para o crescente tráfego de automóveis. A partir dos anos 1940 e 1950, o investimento em bondes diminuiu significativamente, enquanto os ônibus ganhavam espaço por sua maior flexibilidade, capacidade de adaptação a novas vias e menor custo de implantação em comparação com a infraestrutura ferroviária dos bondes.

Em 1938 já circulavam ônibus onte os bondes não conseguiam chegar.
Em 1938 já circulavam ônibus onte os bondes não conseguiam chegar.

A Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC), criada em 1947, assumiu a operação dos bondes da antiga Light, mas já com a visão de modernizar a frota e ampliar o serviço de ônibus. 

A última viagem de um bonde elétrico em São Paulo ocorreu em 27 de março de 1968, marcando o fim de uma era e consolidando os ônibus como o principal modal de transporte público da cidade.

As primeiras linhas de ônibus surgiram já nas décadas de 1920 e 1930, operando em rotas que complementavam ou substituíam as dos bondes, especialmente em áreas onde a malha de trilhos não chegava.

Uma das primeiras empresas de ônibus de grande porte da capital surge em 1932, a Auto Ônibus Jabaquara, que ligava o centro da cidade ao recém-loteado bairro do Jabaquara. Isso demonstra a expansão do serviço de ônibus para regiões mais distantes do centro, onde os bondes não operavam.

Transporte individual cresce em paralelo

Os primeiros rugidos de motores de automóveis em São Paulo ecoaram por volta de 1902. 

É consenso que o primeiro automóvel a circular em São Paulo, e também no Brasil, foi um Peugeot Type 3, importado por Henrique Santos Dumont, irmão do inventor Alberto Santos Dumont, em 1891.

A família Dumont trouxe para São Paulo o primeiro automóvel da cidade.
A família Dumont trouxe para São Paulo o primeiro automóvel da cidade.

Embora Francisco Matarazzo seja frequentemente associado aos primeiros carros em São Paulo, ele foi o primeiro a emplacar oficialmente um veículo na cidade, em 1903.

Outras figuras proeminentes, como o político e empresário Roberto Simonsen e o cafeicultor Luís de Barros, também estavam entre os primeiros a adquirir esses carros.

No início, a quantidade de automóveis era irrisória. Dados precisos daquela fase são escassos, mas estima-se que em 1907, apenas cerca de 50 automóveis circulavam pela cidade. O emplacamento e a regulamentação eram rudimentares, refletindo a novidade e a baixa demanda. Formação de motoristas? Era no aprendizado individual, até então.

As primeiras regulamentações formais para condutores no Brasil surgiram na década de 1900. Em 1903, o município do Rio de Janeiro, por exemplo, já exigia uma permissão especial para conduzir veículos. No entanto, uma regulamentação mais estruturada para a emissão de licenças de condução, ainda sem um padrão nacional, surgiu em 1910.

Em São Paulo, a exigência de algum tipo de formação e licença para dirigir acompanhou essa evolução. Inicialmente, os critérios para a concessão de licenças eram menos rigorosos. Com o tempo, foram sendo introduzidos exames médicos obrigatórios, a exigência de conhecimento sobre leis de trânsito e a padronização dos testes práticos para avaliar a capacidade dos motoristas.

A cidade moldada pelo automóvel e o plano de avenidas

Com o aumento da frota e a consolidação do automóvel como transporte individual, a cidade de São Paulo começou a se remodelar para acomodar o fluxo crescente de veículos. 

Prefeitos, engenheiros e urbanistas da época, influenciados por modelos de desenvolvimento de cidades europeias e norte-americanas, adotaram uma visão rodoviarista para a expansão viária. A ideia era clara: facilitar o trânsito de automóveis.

Esboço do "Plano de Avenidas".
Esboço do “Plano de Avenidas”.

Surge então aquele que ficou conhecido como  “Plano de Avenidas” (veja nossa postagem de 10 de julho de 2025).  Um projeto elaborado por Francisco Prestes Maia e João Florence de Ulhôa Cintra.

O plano previa a construção de avenidas radiais e marginais em torno do centro da cidade. As avenidas radiais fariam a ligação do centro da cidade em direção à periferia e as avenidas ao longo das margens dos rios, as marginais, facilitariam o acesso e a circulação entre as diferentes regiões da cidade.

Além desses elementos, outra inovação que constava no documento era a integração do sistema de avenidas ao sistema de circulação e transporte ferroviário de São Paulo. 

Grandes avenidas foram abertas e alargadas, viadutos construídos e complexos de vias expressas planejados. 

Exemplos notáveis incluem a construção das marginais Tietê e Pinheiros, a readequação do centro da cidade e a criação de eixos de ligação entre bairros. A lógica por trás disso era que um fluxo de tráfego desimpedido seria sinônimo de desenvolvimento econômico e progresso.

Essa opção pelo transporte individual em detrimento do coletivo tem raízes históricas e econômicas. O lobby da indústria automobilística, a facilidade do financiamento para a compra de carros e a visão de status associada ao veículo próprio contribuíram para a prioridade dada ao automóvel.

O investimento em transporte público de massa, como ônibus e metrô, embora reconhecido como importante, muitas vezes ficava em segundo plano ou era executado de forma mais lenta e fragmentada. 

A que vigorou por décadas era a de que o carro seria a solução para a mobilidade urbana, algo que se enraizou profundamente no planejamento da cidade até que esta opção se mostrou insustentável para o transporte, no final do Séc. XX.

A frota atual e os desafios para a circulação de veículos

Em 1968 congestionamentos, principalmente no centro de SP já davam uma ideia do que viria a acontecer no futuro.
Em 1968 congestionamentos, principalmente no centro de SP já davam uma ideia do que viria a acontecer no futuro.

Dados do Departamento Nacional de Trânsito mostram que em 2024, a frota de veículos na cidade de São Paulo superou a marca de 8 milhões de veículos, entre carros, motos, ônibus e caminhões.

Não é difícil perceber, para quem circula pela cidade, que a malha viária não cresceu de forma a acompanhar a explosão do número de veículos e São Paulo buscou tardiamente soluções para equalizar essa questão.

Uma das principais e mais polêmicas, à época de sua implantação foi o “Rodízio Veicular”.

A ideia de restringir a circulação de veículos começou a ser debatida em São Paulo já na década de 1980, diante do agravamento dos congestionamentos e da preocupação com a poluição atmosférica.

O Rodízio, que restringe a circulação de veículos de acordo com o final de sua placa em determinados dias e horários, foi implantado inicialmente em caráter experimental em 1997, tornando-se permanente a partir de 1998 e vigora desde então.

Algumas curiosidades sobre automóveis e motoristas

 A primeira fábrica automobilística do Brasil foi instalada na Rua Florêncio de Abreu. Foi a ford, em 1919.

A data de 25 de julho para ser o dia do motorista se relaciona à figura de São Cristóvão. A data foi oficializada pelo Decreto nº 63.461 de 1968. São Cristóvão, segundo a tradição católica, ajudava pessoas a atravessarem rios, carregando-as nas costas, o que o tornou símbolo de força, proteção e transporte, características associadas ao trabalho dos motoristas. 

Neste dia, na capital paulista, milhares de motoristas passam com seus veículos por igrejas católicas que realizam bênçãos a motoristas e seus automóveis. As duas principais são a Igreja de São Cristóvão, no bairro da Luz, e a de São Judas Tadeu, no bairro de mesmo nome.

A primeira fábrica de uma montadora no Brasil foi instalada na Rua Florêncio de Abreu, em São Paulo. A Ford instalou-se no Brasil em 1919, tornando-se a primeira fabricante de automóveis no país. A montadora iniciou a montagem do seu Modelo T, conhecido como Ford “Bigode”.

Embora não haja registros precisos, é sabido que o primeiro acidente de automóvel, ao menos o primeiro amplamente registrado, aconteceu no Rio de Janeiro, com um veículo dirigido por ninguém menos do que o poeta e escritor Olavo Bilac.

O acidente ocorreu em 1897. O carro, um Serpollet movido a vapor, importado por José do Patrocínio, colidiu com uma árvore na Estrada Velha da Tijuca após Bilac perder o controle. O veículo foi considerado perdido e vendido para um ferro-velho. A primeira “perda total”.

O performático "Guarda Luizinho", no centro de SP, na década de 1970.
O performático “Guarda Luizinho”, no centro de SP, na década de 1970.

Na década de 70, no cruzamento das rua Xavier de Toledo com a Praça Ramos, um guarda de trânsito chamado Luiz Gonzaga Leite, ficou conhecido por organizar o trânsito de forma performática e teatral, dando bronca em pedestres e motoristas que desrespeitaram as regras de trânsito. “Luizinho” como ficou conhecido, afirma que nunca, entretanto, aplicou uma multa, pois acreditava que suas performances ajudavam a conscientizar as pessoas sobre a importância de um trânsito seguro.

Em São Paulo, aquele que teria sido o primeiro congestionamento da cidade ocorreu na noite de setembro de 1911. Era a noite de inauguração do Theatro Municipal, e consta que a fila de automóveis em direção ao local ocupou inúmeros quarteirões do centro.

O pior congestionamento já registrado na capital, entretanto, aconteceu recentemente. No dia 9 de agosto de 2024, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) registrou impressionantes 1.510 quilômetros de lentidão no horário de pico das 19h.

Dentre os inúmeros itens que comercializava no início do Séc. XX, a Casa da Boia tinha uma seção em seu catálogo comercial dedicada a “produtos para carros”. Nesta seção, a empresa mostrava dispor de porcas, azeiteiras, manilhas e pontas de varais — produtos essenciais para a manutenção e o bom funcionamento dos veículos.

Página do catálogo de produtos da Casa da Boia de 1920 já trazia peças de reposição para os "carros".
Página do catálogo de produtos da Casa da Boia de 1920 já trazia peças de reposição para os “carros”.

Fontes:

https://www.detran.sp.gov.br/detransp

https://www.cetsp.com.br

https://www.facebook.com/saojudastadeusp/photos/b%C3%AAn%C3%A7%C3%A3o-pelos-motoristas-no-dia-2507-pr%C3%B3xima-quinta-feira-dia-de-s%C3%A3o-crist%C3%B3v%C3%A3o-pr/1167507746768840/?locale=pt_BR

https://www.sptrans.com.br

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