A pioneira TV paulistana que resistiu ao tempo

A história da TV brasileira começa no centro de São Paulo, no dia 18 de setembro de 1950, quando o empresário Assis Chateaubriand inicia a transmissão da TV Tupi. Três anos depois, outro visionário, Paulo Machado de Carvalho, inaugura, também no centro da capital, o mais longevo canal de TV paulistano. Em 27 de setembro de 1953 entrava no ar a TV Record. 

Aproveitando-se de seu prestígio no meio empresarial e posteriormente esportivo, o empresário Paulo Machado de Carvalho, conhecido como o “Marechal da Vitória” por ter sido chefe de delegação das seleções brasileiras nas Copas de 1958 e 1962, conseguiu a concessão para colocar no ar um canal de televisão na cidade de São Paulo e não demorou a colocar a ideia em prática.

Paulo Machado de Carvalho
Paulo Machado de Carvalho

A primeira sede da emissora foi instalada no térreo do Edifício Cásper Líbero, na Rua da Consolação, no centro da cidade, e ela “herdou” o nome de sucesso do conglomerado de rádios do empresário “Record”.

Com equipamentos importados, mas estúdios modestos, a Record surgia para ocupar um espaço importante na vida dos paulistanos, a exemplo do que já acontecia com a TV Tupi.

O domingo de inauguração, em 27 de setembro de 1953, começou às 9 da manhã com a transmissão experimental, diretamente do estádio do Pacaembu(que depois viria a se chamar Paulo Machado de Carvalho), da partida entre Corinthians e Guarani. 

Exatamente às 20 horas, direto do antigo Cassino e Boate Colonial, no bairro de Congonhas, entrava no ar a TV Record Canal 7 de São Paulo. “Boa noite! Senhoras e senhores está no ar a TV Record, canal 7”, assim começou o texto de Hélio Ansaldo e Sandra Amaral, apresentadores da noite.

A programação inicial da Record era diversificada, com destaque para o telejornal “Record em Notícias”, o programa infantil “Capitão 7” (estrelado por Ayres Campos), e os shows de auditório que trouxeram para a tela da TV grandes nomes do rádio, como Blota Jr. e Hebe Camargo. 

Mas é preciso lembrar que empreender em TV no início dos anos 50 não era fácil. A concorrência era forte, e o novo meio de comunicação ainda engatinhava.

A música se torna o diferencial da Record

Jair Rodrigues defende a música "Disparada" no Teatro Record, em 1966.
Jair Rodrigues defende a música “Disparada” no Teatro Record, em 1966.

Se os primeiros anos na década de 1950 foram de muito aprendizado, seja técnica, artística ou comercialmente, a Record encontrou uma fórmula que a levou ao sucesso na década seguinte, ao unir a vocação musical herdada do rádio com a força que as imagens da TV transmitiam. Nascia a “era dos Festivais de Música Popular Brasileira”. 

Vale lembrar que a partir de 1964 o Brasil passou a ser governado por uma ditadura militar, com a supressão de direitos e liberdades. Neste cenário de pressão os festivais se tornaram uma plataforma para a música “de protesto”, mas não apenas ela, e para a revelação de toda uma geração de cantores, músicos e compositores que seriam determinantes para a MPB até hoje.

O segundo Festival de Música Popular Brasileira aconteceu em 1966, no Teatro Record, que também ficava na Rua da Consolação. A emissora havia conseguido o direito de promover o festival, cuja primeira edição havia sido realizada pela TV Excelsior, no ano anterior.

O evento foi um sucesso de público, com apresentações que lotaram o teatro e levavam o público ao delírio. Ao final, a disputa se colocou entre duas canções hoje históricas de nossa cultura: “A Banda” de Chico Buarque de Holanda, e “Disparada” de Geraldo Vandré e Théo de Barros.

O festival marcou o imaginário popular brasileiro, com a apresentação contida de Chico Buarque e Nara Leão, defendendo A Banda, e a performance catártica de Jair Rodrigues na interpretação de Disparada, uma das cenas mais empolgantes da música brasileira ainda hoje.

Ao final, empate entre as duas canções emblemáticas e a certeza de que a Record havia achado uma fórmula de sucesso, tanto que os festivais perduraram por mais quatro edições, até 1969.

Este “produto televisivo” da Record alcançou importância para além da competição e do entretenimento. 

Gilberto Gil e os Mutantes causam polêmica ao introduzir a guitarra elétrica em 1967.
Gilberto Gil e os Mutantes causam polêmica ao introduzir a guitarra elétrica em 1967.

Os festivais criaram uma nova dinâmica na música brasileira ao unir a tradição da Bossa Nova com a inovação do Tropicalismo. Nomes como Elis Regina, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa se consagraram no palco da Record, com momentos inesquecíveis, como a performance de “É Proibido Proibir” (1968), que gerou uma vaia histórica do público a Caetano Veloso.

Em 1967 duas outras grandes polêmicas. o Músico Sérgio Ricardo quebrou seu violão no palco ao receber também uma calorosa vaia do público e Gilberto Gil e os Mutantes introduziram a guitarra elétrica em suas apresentações, também criando acalorado debate sobre o uso do instrumento no festival.

A sina dos incêndios

Hebe Camargo ajudando a retirar equipamentos durante o incêncio de 1966.
Hebe Camargo ajudando a retirar equipamentos durante o incêncio de 1966.

A história da TV Record traz uma marca trágica, a empresa enfrentou vários incêndios em suas instalações ao longo da história. Em maio de 1960, a emissora sofreu um grande incêndio em seus estúdios em Moema, e se viu obrigada a utilizar programas da TV Rio para preencher sua programação enquanto os estúdios paulistas eram reconstruídos.

Em 1966 a emissora novamente enfrentou um incêndio ocorrido na manhã do dia 29 de julho, desta vez de proporções mais sérias. Foram perdidos cerca de 320 rolos de fitas da programação, algumas incluindo os únicos trechos da inauguração da TV, em 1953.

em 1969 o Teatro Record pega fogo pela segunda vez, obrigando a empresa a mudar o teatro para a rua Augusta.
em 1969 o Teatro Record pega fogo pela segunda vez, obrigando a empresa a mudar o teatro para a rua Augusta.

Depois de mais um grave incêndio ocorrido no dia 17 de julho de 1969, desta vez no Teatro Record, palco dos festivais, a emissora decidiu transferir suas instalações dali para a Rua Augusta, 973. 

No dia 27 de setembro de 1968, durante as comemorações de quinze anos de operações, a Record ergue e inaugura sua torre de transmissão, localizada na Avenida Paulista, que seria danificada seriamente em outro incêndio, no ano de 1981. 

A Crise e as Mudanças de Donos

O sucesso da década de 1960 com os festivais não foi suficiente para consolidar a emissora, que tinha concorrência direta da TV Globo (fundada em 1965, no Rio de Janeiro).

A Record foi uma das pioneiras no uso de helicóptero na cobertura jornalística.
A Record foi uma das pioneiras no uso de helicóptero na cobertura jornalística.

No início da década de 1970 a emissora ganhava um impulso e tanto com a entrada de outro empresário como sócio da Record. Nada menos do que Senor Abravanel, ou Silvio Santos, que adquiriu 50% das ações da emissora em 1972.

Uma curiosidade. Como Silvio era contratado da TV Globo, a transação foi feita por Mário Albino Vieira, seu ex-cunhado, Demerval Gonçalves, e Joaquim Cintra Godinho. Somente após encerrar seu contrato com a Globo, Silvio assumiu sua parte na Record.

O que poderia ter sido um sucesso, pois todos conhecemos o potencial empresarial e midiático de Silvio Santos, acabou em uma parceria conturbada, em que Silvio Santos e Paulo Machado de Carvalho não se entendiam, já que Machado teria impedido Silvio de interferir na programação.

Fato é que a crise financeira se aprofundou na década de 1980, fazendo com que seus donos (Silvio e a família Machado de Carvalho) vendessem a emissora para o empresário e líder religioso Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e sua esposa Ester Bezerra.

Mais um marco na geografia urbana de São Paulo

Depois de passar pelo centro da cidade e pela zona sul, a Record construiu seus estúdios no complexo da Barra Funda.
Depois de passar pelo centro da cidade e pela zona sul, a Record construiu seus estúdios no complexo da Barra Funda.

Com a nova gestão, a Record iniciou um processo de modernização e reposicionamento. A emissora deixou as antigas sedes no centro e se mudou para o complexo de estúdios na Avenida Miruna, no bairro de Moema, até que sua sede definitiva na Barra Funda ficasse pronta, no final dos anos 1990, para onde se mudou em definitivo.

A sede da Record na Barra Funda é um complexo com 11 estúdios onde são gravados ou transmitidos boa parte dos programas que a emissora exibe em rede nacional. Há ainda uma redação de jornalismo onde são feitos os telejornais Fala Brasil e Jornal da Record, e ainda um estúdio Chroma key, que serve na realização de alguns programas como o Domingo Espetacular. 

O complexo também possui uma pequena cidade cenográfica, que foi usada na gravação de algumas telenovelas antes da construção do chamado RecNov (atual Casablanca Estúdios), no Rio de Janeiro.

Além disso, há uma ala de camarins, administração, auditório de reuniões, e coletivas de imprensa. 

No local está o “Teatro Record”, que passou a ser chamado Dermeval Gonçalves a partir de 2015.

Embora hoje a TV Record se expandiu para todo o Brasil, com instalações em todos os estados e um complexo de produção no Rio de Janeiro, a emissora é intimamente ligada à cidade de São Paulo e sua história, desde a era dos festivais, passando pelos teatros do centro, o complexo de Moema e os estúdios da Barra Funda, a Record faz parte da paisagem e cultura paulistanas desde sua fundação há mais de 70 anos.

Fontes:

https://jornaldebraganca.com.br/noticia/3878/dermeval-goncalves-ilustre-bragantino-completaria-100-anos

https://entretenimento.r7.com/prisma/testemunha-da-historia/27-de-setembro-de-1953-chegou-o-grande-dia-14082023

https://www.camara.leg.br/radio/programas/247391-em-67-um-incendio-destroi-as-instalacoes-da-tv-record-em-sao-paulo-musica-agora-ninguem-chora-mais-com-elis-regina-jorge-benjor-e-zinho

https://pt.wikipedia.org/wiki/Record_S%C3%A3o_Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/banco-de-dados/2019/07/1969-no-centro-de-sp-incendios-destroem-instalacoes-das-tvs-record-e-globo.shtml

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