Talvez você não saiba o que significa a palavra “trólebus”, ou mesmo o que significou o sistema para o transporte público de São Paulo, mas estes ônibus movidos a eletricidade surgiram na capital há nada menos do que 76 anos. Evolução dos bondes, o sistema está prestes a desaparecer das ruas da capital.

Vamos voltar à primeira metade do Séc. XX. A cidade de São Paulo ainda não contava com nenhum sistema de Metrô, o transporte coletivo era majoritariamente feito por meio dos bondes elétricos, que exigiam uma infraestrutura complicada. O sistema de bondes exigia a instalação de trilhos no solo em todo o percurso por onde os veículos passariam, além da linha aérea de alimentação elétrica.
Naquela época a indústria automobilística começava a introduzir no mercado os veículos a combustão e com eles o “lobby” para a criação de uma infra-estrutura viária para sua circulação. Em outras palavras, vias pavimentadas, desobstruídas de obstáculos, como, por exemplo, os trilhos dos bondes que ocupavam os principais corredores viários da cidade.
Segundo matéria do jornalista Adamo Bazani, publicada no portal da Rede CBN, os bondes já conviviam com os ônibus desde as primeiras décadas do Séc. XX. Em 1911, foi inaugurada a primeira empresa de ônibus registrada na cidade de São Paulo que se tem conhecimento: a Companhia Transportes Auto Paulista que tinha um veículo de carroceria de madeira com mecânica Saurer. O pequeno ônibus transportava até 25 passageiros, sem itinerário ou horários fixos.

Ainda segundo o texto, os anos de 1923 e 1924 foram marcados por uma enorme seca que comprometeu a geração de energia nas usinas hidrelétricas e a Light & Power Co., que tinha a concessão dos bondes. A companhia aderiu aos ônibus para complementar o serviço por trilhos que estava prejudicado por essa razão.
Entre 1926 e 1932, a empresa importou e operou 50 ônibus do modelo e marca Yellow Coach. Por causa da cor cinza esverdeada, os ônibus foram apelidados de “Jacaré” pela população paulistana. Era o início da estruturação de um sistema de transporte coletivo na cidade em que ônibus e bondes complementavam a demanda existente. Pensando na ampliação do sistema, os trólebus começaram a ser planejados.
O início da Segunda Guerra Mundial em 1939 atrasou a iniciativa, que só seria retomada ao final do conflito, em 1945.

Foi nesse ano que a prefeitura contratou a Light para instalar a nova rede de trólebus, cujo trecho inicial foi implantado entre os bairros da Aclimação e Higienópolis. Para operar a linha foram adquiridos cinco trólebus britânicos novos e vinte e dois trólebus americanos usados.
O sistema elétrico da rede foi encomendado junto a empresas norte-americanas em 1946 e, depois de muitos atrasos, finalmente a primeira linha começou a a funcionar no dia 22 de abril de 1949.
A primeira linha de ônibus elétrico da cidade realizava o trajeto entre a praça General Polidoro, no bairro da Aclimação, até a praça João Mendes, no centro. Este trajeto inicial foi prolongado, partindo da rua Machado de Assis, também na Aclimação, até a rua Cardoso de Almeida, em Perdizes, e é atual linha 408A-10.
Um sistema que teve altos e baixos

O sistema de Trólebus, nome aliás, derivado do inglês “Trolley Bus”, é um remanescente de fases áureas e períodos de pouca atenção.
Já em seu começo, sofria com a manutenção dos veículos importados, pois até os anos 1950, todos os trólebus eram norte-americanos, canadenses ou alemães. Foi apenas no final da década que um consórcio de duas empresas começou a produzir no Brasil os carros que ficaram conhecidos como “Grassi-Villares”. Ainda assim, esses veículos, a exemplo dos importados, eram bastante caros.
Entra aí um jeitinho brasileiro. A Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC) órgão da prefeitura criado para gerir o sistema de transporte público começa a “produzir” os seus próprios trólebus, inicialmente “desmontando” os trólebus importados e usando suas peças para produzir novos veículos.
Como as “gambiarras” se mostraram eficazes, a empresa acabou fabricando no período 144 trólebus, utilizando chassis reaproveitados de ônibus a diesel desativados, equipamentos elétricos usados ou inteiramente novos e carrocerias igualmente reaproveitadas ou produzidas em sua oficina no bairro do Pari. O fato é que o processo garantia os veículos para o sistema.

Sem grandes investimentos, os trólebus da década de 1970 rodaram pela cidade por cerca de vinte anos, até serem reformados no período de 1994 – 1998, deixando-os mais modernos, mas não por muito tempo.
A partir de 2003 a gestão municipal optou por descontinuar vários corredores importantes de trólebus, como os das avenidas Santo Amaro, Faria Lima, Nove de Julho, rua Augusta e os dos bairros da Zona Norte, substituindo os trólebus por ônibus a combustão.
Em 2011 o sistema ganhou novo fôlego com a aquisição de mais 200 veículos e a modernização da fiação elétrica suspensa. Neste período, finalmente, a frota foi renovada e em 2014 todos os trólebus em circulação eram novos.
A linha 408A-10. A mais antiga do Brasil…

O itinerário do mais antigo trecho do sistema se inicia na Praça Machado de Assis, no bairro da Aclimação, segue pelas ruas residênciais do bairro até a Av. Aclimação, daí se encaminha para o centro, tangenciando o bairro da Liberdade até chegar à Praça João Mendes, no coração da capital. Continua pela área central até passar nas proximidades do Bairro do Bixiga, seguindo então pelas ruas de Higienópolis, passando pelo Estádio do Pacaembu até chegar a seu destino, a poucos quarteirões da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Este trajeto que é um convite à contemplação da metrópole de um jeito bem diferente, entretanto, perdeu parte de seu charme e da sua história no ano passado, quando a SPTrans efetivou a substituição dos trólebus da linha 408A-10 por ônibus à diesel e elétricos, devido ao desligamento da rede de trólebus nas regiões do Pacaembu e Higienópolis.
Recentemente, em 13 de agosto deste ano, a concessionária Ambiental Transportes protocolou pedido junto à prefeitura para retirar a fiação elétrica aérea do percurso da linha, o que representaria a extinção definitiva do trólebus mais antigo da capital.
O progresso avança e não se pode detê-lo. Foram-se as charretes, foram-se os bondes, irão os trólebus. E, segundo a gestão municipal, isso tem data para acontecer. Será quando for implantado o sistema VLT previsto para entrar em operação no centro da cidade até 2030.
Já o projeto final do VLT, que será operado pela CPTM, prevê duas linhas circulares pelo centro de São Paulo, com 27 estações que se integrarão a outros modais, como o Metrô e as linhas de trem. Segundo o prefeito Ricardo Nunes, o VLT necessariamente irá aposentar o sistema de Trólebus.
… e as tentativas de preservação de sua memória

Embora seja realidade que os trólebus irão parar de operar há quem defenda a manutenção do sistema, ao menos parte dele, principalmente a linha 408A-10, como uma forma de preservação da história da cidade.
O grupo da sociedade civil “Defesa Do Trólebus”, liderado por Fábio Klein, defende que “os trólebus não são patrimônios não de uma empresa ou da SPTrans, mas de toda a cidade de São Paulo. Eles refletem a luta e as inovações em prol dos transportes coletivos cada vez mais sustentáveis. Assim, preservar a rede de trólebus é valorizar cada um dos que lutaram. O ideal seria que toda a rede não só fosse preservada, mas ampliada”, explicou Fábio ao portal Diário do Transporte, em entrevista concedida em 17 de agosto de 2025.
Fábio considera um erro a desativação do sistema, que pode ser modernizado com os “E-Trols”, veículos que funcionam tanto na fiação como só com baterias. “Mas se a gestão quer mesmo acabar com a rede, o que é um erro, que ao menos o trajeto da 408 A-10 seja mantido como linha de turismo e cultural. Tanto se fala que o paulistano não valoriza a história, mas a própria prefeitura pode estar mandando essa história se perder no ferro-velho”.
Na mesma matéria do portal Diário do Transporte, Jorge Françoso de Moraes, especialista em implantação de sistemas elétricos de transportes e presidente do Movimento Respira São Paulo, “o Condephaat tem um procedimento de análise do tombamento histórico da rede de trólebus, o que, se for aprovado, seria ótimos para a cidade, uma vez que a memória seria preservada e, ao mesmo tempo, contaríamos com um serviço essencial, limpo e que provou ao longo de décadas que é a apropriado para São Paulo”.
A despeito de iniciativas isoladas, como as citadas acima, não parece haver grande interesse da administração pública na manutenção das redes, consideradas obsoletas e, no processo de constante transformação da maior metrópole da América Latina a probabilidade maior é que em um futuro breve os trólebus serão história passada.
Fotos:
Museu dos Transportes de São Paulo
Fontes:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Tr%C3%B3lebus_de_S%C3%A3o_Paulo