Em outubro de 1942 um evento pioneiro para a fotografia paulistana aconteceu no centro de São Paulo. O 1º Salão Paulista de Arte Fotográfica se propunha a inserir a fotografia no contexto da criação artística, uma vez que esta expressão era considerada uma “arte menor”. Seus organizadores, membros do Foto Cine Clube Bandeirantes, não apenas trouxeram reflexão à cena cultural de então, mas representaram a geração que incorporou o modernismo à fotografia criada em São Paulo.
“Em São Paulo , a primeira tentativa de organização de um clube fotográfico ocorreu em 1926. A ‘Sociedade Paulista de Photographia‘, entretanto, não durou muito; extinguiu-se em 1929, após a realização de sua primeira exposição pública, tais as dificuldades encontradas para se manter. Chegara a editar também uma ótima revista: “Sombras e Luzes”. Mas, ainda não havia ambiente para a fotografia – arte. Poucos acreditavam nela e os críticos de arte não a admitiam como tal.
Somente 10 anos depois destacados aficionados paulistanos voltaram a pensar em nova sociedade. Eles costumavam reunir-se na “Photo-Dominadora”, uma loja de artigos fotográficos na Rua São Bento, de propriedade de Antônio Gomes de Oliveira e Lourival Bastos Cordeiro, eles próprios adiantados praticantes da fotografia. Um desses freqüentadores era José Medina, que pelas ondas da P.R.K.9 – Radio Difusora, mantinha um programa diário sobre fotografia – “Instantâneos no Ar” – no qual dava conselhos, anunciava as novidades, comentava as fotos enviadas por ouvintes e promovia concursos. Nas reuniões vespertinas na “loja do Gomes “, esses aficionados mostravam e discutiam suas fotos e experiências, as câmaras, objetivas, etc…Até que um dia, não se sabe de quem partiu a idéia ,decidiram fundar um novo foto-clube. Abriram-se listas de adesões e ao atingir o número considerado mínimo necessário – 50 aderentes – convocou-se a Assembléia Geral de Fundação , para a noite de 28 de Abril de 1939, no salão do Portugal Clube, no Edifício Martinelli, gentilmente cedido”.
O texto acima pertence à página de apresentação da história do mais emblemático e pioneiro clube de fotografia de São Paulo. O Foto Cine Clube Bandeirantes.

A década de 1940 e o preconceito com a foto arte
Vivíamos a primeira metade do Século XX. A Fotografia como processo completava pouco mais de 100 anos (considerando a primeira foto registrada em 1826 pelo francês Joseph Nicéphore Niépce), mas neste século de existência ainda não era considerada “arte” pelos acadêmicos.
A década de 1940 consolidou o modernismo iniciado nos anos 1920 na literatura, nas artes e na arquitetura, buscando consolidar uma identidade nacional. Nomes como Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Cândido Portinari, Victor Brecheret impulsionam as discussões estéticas e os rumos das artes, mas, dentre estes, nenhum “fotógrafo”.
Ainda que apartados das rodas da intelectualidade, a fotografia como forma de “capturar a realidade” fascinava tanto o pai de família operário quanto parte mais sensível de artistas que acreditavam que empunhar a câmera e através dela escolher o que registrar era sim, uma atitude de curadoria.
Hildegard Rosenthal, por exemplo, uma das primeiras fotojornalistas brasileiras atuando em São Paulo naquela década, construiu imagens muito além do factual. Inegavelmente escolhas estéticas elaboradas faziam parte de seus registros e assim como ela, muitos dos que já compreendiam essa relação acabaram por compreender que se organizar em um clube pudesse lhes dar projeção, ou ao menos ecoar as pretensões estéticas.
Neste contexto, o surgimento do Foto Cine Clube Bandeirantes foi absolutamente fundamental para a fotografia produzida na cidade a partir de então.
Nasce o clube de fotografia

Fundado na noite de 28 de abril de 1939 neste contexto de marginalização da fotografia como arte, o então Foto Clube Bandeirantes ganhou este nome inspirado nos antigos desbravadores do Brasil, pois previa-se que a nova entidade também deveria desbravar um terreno artístico-cultural ainda inóspito.
Na mesma noite os 32 signatários da ata de fundação elegeram a primeira diretoria: presidente, Alfredo Penteado Filho; Vice – Presidente Benedito J.Duarte; 1º Secretário, José Donati; 2º Secretário , Victor Caccurri Jr.; 1º Tesoureiro, Wladomiro Moretti; 2º Tesoureiro, Luís F.Lima; Diretor Técnico, José Medina; Diretor de publicidade, Eugenio Fonseca Filho e Diretor de Excursões, José V.E. Yalenti.
O “Conselho de Fundadores” ficou constituído por Antônio Gomes de Oliveira, Lourival Bastos Cordeiro, Jorge Backer, Eduardo de S. Thiago, Júlio de Toledo, Francisco B.M.Ferreira, Joaquim R.Borges, Edgar Flacquer , José Louzada F. Camargo e Jorge Siqueira Silva.
Um dos principais promotores da atuação eficiente do Foto Cine Clube Bandeirante foi Eduardo Salvatore, advogado paulista, que presidiu o clube durante os anos de 1943 a 1990. Ele foi responsável pela congregação dos clubes brasileiros e articulou a formação da Confederação Brasileira de Fotografia e Cinema, em 1950, associada à Federation Internacionale de L’Art Photographique (FIAP), tornando o Brasil o único representante da América do Sul.
Salvatore incentivou a criação de novas agremiações foto-clubistas em todo Brasil enviando o estatuto do Bandeirante como exemplo a ser seguido.

Essas iniciativas contribuíram para que os trabalhos selecionados nos concursos internacionais transitassem em um circuito estruturado, dando maior visibilidade às imagens, que percorriam diversos salões, com um planejamento prévio, aos cuidados de uma associação que era responsável pela distribuição em regiões determinadas. Outro aspecto importante foi o intercâmbio de portfólios, para cuja atividade contou com uma secretária exclusiva no clube que fazia a seleção individual de trabalhos a serem enviados para diferentes países. A troca de correspondência entre os clubes estrangeiros trazia as últimas novidades técnicas e estimulava a reflexão sobre o papel da fotografia nas artes.
Em dez anos de atividade, o Bandeirante adquiriu uma sede própria com ajuda de seus associados, profissionais liberais pertencentes a uma camada social privilegiada que fez da fotografia um hobby e contribuiu para a formação de uma rede de influências políticas que beneficiou a consolidação do clube.
As exposições iniciais dos foto clubes brasileiros eram exibidas, na maioria das vezes, em pequenas salas em suas sedes ou em salões de instituições comerciais, foyer de hotéis ou bibliotecas, entretanto, com o Bandeirante os locais de exibição ganharam outra dimensão e visibilidade.
O 1º Salão Paulista de Arte Fotográfica

Como meio para atrair a atenção dos aficionados pela fotografia, da imprensa e do público em geral, e também como forma de dar publicidade ao Clube, no início da década de 1940 a diretoria do Foto Cine Clube Bandeirantes lançou-se à realização do 1º Salão Paulista de Arte Fotográfica. Apesar da denominação ele teria âmbito nacional (e até internacional, com a participação de trabalhos de clubes de fotografia da Argentina e Uruguai).
Em 1942, o Primeiro Salão Paulista de Arte Fotográfica foi organizado pelo Foto Clube Bandeirante, na Galeria Prestes Maia, espaço pertencente à prefeitura da cidade, que aproveitava as estruturas abaixo do Viaduto do Chá.
A Galeria era um endereço conceituado no campo artístico, onde aconteceram grandes eventos internacionais, como a exposição A nova Pintura Francesa e seus Mestres – de Manet a nossos dias, que exibiu obras de pintores consagrados da escola de Paris, além de mostras de pintura britânica, canadense, dentre outras. No cenário nacional, a Galeria Prestes Maia exibia anualmente o Salão Paulista de Belas Artes, referência para os artistas modernistas da época.
A estratégia adotada por Salvatore, no sentido de legitimar a fotografia no campo das artes, lembra as iniciativas do fotógrafo norte americano Alfred Stieglitz, considerado o primeiro a ter uma foto exposta em um museu, que expôs alternadamente, em galeria, fotografias e obras de artistas conceituados.
O Salão aconteceu, naturalmente, pela articulação do grupo de fotógrafos do Bandeirantes, mas muito também pelo apoio do Prefeito da capital, Francisco Prestes Maia e seus Secretários Francisco Patti, da Cultura, e Cristiano Ribeiro da Luz, de Obras.

Foi inaugurado a 3 de outubro de 1942, com amplo sucesso. Além das fotos nacionais, pela primeira vez no país se exibiam, “ao vivo”, fotografia de autores estrangeiros: na seção “Boa Vizinhança” (fora do concurso), especialmente convidados, artista fotógrafos argentinos, dos Foto Clubes de Concórdia e de Rosário, com os quais o Bandeirante iniciara intenso intercâmbio.
Pela primeira vez os paulistanos não pertencentes aos círculos culturais e experimentais da fotografia tiveram ampla oportunidade de observar as impressões fotográficas em um ambiente luxuoso, acostumado à pintura.
O Júri do salão ,composto por Adhemar Queiroz de Morais, Antenor Liberato de Macedo, Benedito J. Duarte, Benedito B. Barreto (Blemonte) e Carlos Vieria de Carvalho, conferiu o 1º prêmio a um belo duplo-retrato de um casal de anciões (“Máscaras da Velhice”) de autoria do profissional Hejos (Henri Joseph); o 2º prêmio coube a Kasys Vosylius, do rio de Janeiro; o 3º prêmio, a Raul dos Santos Carvalho, também do Rio; o 4º a Jorge Bittar, e o 5º a Herman Binder, ambos de São Paulo.” Menções Honrosas ” foram concedidas a Kazys Voslius, Hermes Cardoso e Ely A. Germano, (ambos de Curitiba), Max H.Wirth, de Guararapes, e Thomas J.Farkas, Luiz F. Lima, Eduardo Salvatore, Lauro Maia, Guilherme Malfatti, Plinio S.Mendes e José V.E.Yalenti, todos de São Paulo.
O Bandeirantes se consolida

Um dos principais objetivos dos membros do Clube, a difusão de suas atividades e aspirações foi atingida com o Salão e pouco tempo depois, em 1945, aderiu ao clube um importante grupo de cineastas amadores e criou-se o Departamento de Cinema, sob a direção de Jean Jurre Roos. O clube altera seu estatuto, e passa a denominar-se Foto Cine Clube Bandeirantes.
A sede da rua São Bento tornou-se acanhada e em 1949 o clube adquire uma ampla sede própria, na Rua Avanhandava 316, o que lhe permitiu instalar os primeiros cursos de fotografia e cinema que se realizaram no país e a década seguinte seria de consolidação do Clube e muito de seus integrantes.
Nos anos 1950 o Bandeirantes promove os primeiros Festivais Nacionais e Internacionais de Cinema Amador; seu boletim informativo (criado em 1946) torna-se a revista “Foto Cine”, uma influente publicação para discussão da fotografia e do cinema e o clube realiza exposições com renomados autores do país e do estrangeiro, além de seminários, debates e palestras.

Vários outros foto clubes se organizaram no interior de São Paulo e em outros Estados do Brasil, sob a inspiração do que acontecia no Bandeirantes. Em dezembro de 1950 durante a 1º Convenção Nacional de Arte Fotográfica, que reuniu representantes de foto clubes de todo o Brasil, foi fundada a Confederação Brasileira de Fotografia e Cinema, que passou a representar o Brasil na “Federation Internationale de l’Art Photographique” – FIAP.
A evolução do Foto Cine Clube Bandeirantes se deu tanto como indutor de um pensamento estético e artístico da fotografia nacional, em suas décadas iniciais, quanto, posteriormente, como partícipe da popularização da linguagem fotográfica associada a uma atividade de hobby. Ao longo de sua existência foram milhares de saídas fotográficas organizadas e realizadas. O Foto Cine Clube Bandeirantes, com mais de 85 anos de atuação, ainda mantém cursos, realiza passeios fotográficos, promove palestras, possui um estúdio fotográfico para “coworking” de seus associados e ainda organiza e promove o Salão Paulista de Arte Fotográfica, já em sua 42ª edição.
O “centro” da fotografia em São Paulo

Se hoje acessamos qualquer e-commerce e em dias ou mesmo horas, temos em nossa casa praticamente qualquer produto que desejamos, esta é uma realidade relativamente nova. Há não mais do que uns dez ou quinze anos, São Paulo concentrava algumas áreas temáticas de comércio de nicho. A própria rua Florêncio de Abreu se tornou conhecida como “Rua das Ferramentas”, a Santa Efigênia como a “Rua dos Eletrônicos”, a Teodoro Sampaio como a “Rua dos Móveis”, e assim tantas outras.
No centro, à época da criação do Foto Clube Bandeirantes, a Rua São Bento concentrava duas lojas pioneiras de equipamentos fotográficos. A Photo-Dominadora e a Fotoptica, esta última, aliás, fundada pelo imigrante húngaro Desidério Farkas, que “introduziu” o nome da família como uma das mais influentes na fotografia paulistana.
Desidério era pai do fotógrafo Thomas Farkas, expoente do Foto Clube Bandeirantes, que conduziu a Fotoptica até ser vendida, e avô do também fotógrafo João Farkas (filho de Thomas), um dos mais importantes fotógrafos dos biomas brasileiros.

Posteriormente, talvez pela proximidade com as redações de grandes jornais da capital, como a do Estado de São Paulo, da Folha de São Paulo, do Grupo Diário Associados, as ruas Conselheiro Crispiniano e a rua 7 de Abril, próximas ao Teatro Municipal e à Biblioteca Mário de Andrade, respectivamente, se tornaram um polo de comércio de equipamentos fotográficos novos e usados.
Centenas de lojas reuniam desde renomados fotojornalistas fazendo “escambo” de suas caríssimas câmeras a anônimos estudantes em busca de seu primeiro equipamento usado.
A concentração de lojas por décadas foi essencial ao desenvolvimento da fotografia, permitindo aos fotógrafos o acesso facilitado a insumos importados (filmes, papéis, químicos) e equipamentos especializados, além de ser um espaço de sociabilidade e troca de conhecimentos técnicos.
Com a ascensão da fotografia digital e o comércio eletrônico, essa concentração física diminuiu drasticamente, embora ainda existam dezenas de pequenas lojas e assistências técnicas em pequenas salas e lojas com um estilo“retrô”, que remetem aos tempos pioneiros em que o Foto Cine Clube Bandeirantes e os fotógrafos paulistas inseriram a fotografia no circuito da artes brasileiras.

Fontes:



