Ramos de Azevedo e seus colaboradores. Os nomes que ajudaram o arquiteto a moldar a São Paulo do início do Séc. XX

Possivelmente qualquer paulistano que já tenha se interessado, ao menos minimamente, pela arquitetura da cidade, conhece aquele que se projetou como o mais famoso arquiteto do período do final do século XIX e início do XX: Ramos de Azevedo. Mas, para além do gênio criativo e empresário de sucesso, Ramos de Azevedo contou com a colaboração de centenas de profissionais em seus projetos, muitos anônimos, outros, nem tanto, mas que, por vezes, foram ofuscados pelo brilhantismo do famoso arquiteto.

É preciso começar dizendo que não temos a pretensão de tecer análises sobre a arquitetura paulistana do período, nem tampouco temos a intenção de nos aprofundar nas intrincadas relações construídas por Ramos de Azevedo. Deixamos estas questões profundas para arquitetos e historiadores e temos certeza de que muitos de nossos leitores poderiam traçar análises mais profundas do que a nossa.

O que desejamos, despretensiosamente, mas não sem uma pesquisa cuidadosa, é despertar a curiosidade sobre figuras que partilharam com Ramos de Azevedo a responsabilidade pela construção de uma São Paulo que ainda resiste em várias edificações icônicas para sua história e que ocuparam papéis importantes na trajetória do arquiteto.

Começando do começo

Francisco de Paula Ramos de Azevedo.
Francisco de Paula Ramos de Azevedo.

Francisco de Paula Ramos de Azevedo, nascido em 1851, em Campinas, São Paulo, ainda jovem partiu para estudar engenharia na Bélgica. Conta-se, que influenciado por um professor, que ficara impressionado com a qualidade de seus projetos, foi convencido a também cursar arquitetura. Formou-se, assim, engenheiro e arquiteto pela Universidade de Gante, Bélgica, em 1878.

No ano seguinte ele abre seu primeiro escritório em Campinas onde executou seus primeiros projetos. Já conquistando certa notoriedade local, foi responsável pela construção da Escola do Povo Ferreira Penteado, o Circolo Italiani Uniti (atual Casa de Saúde Campinas), e também pela conclusão da construção da Catedral da cidade, considerado seu primeiro grande trabalho.

Foi convidado a projetar algumas residências de membros da elite paulista, o que o levou a se mudar para São Paulo, estabelecendo o seu “Escritório Técnico de Projeto e Construção”, na rua Boa Vista, centro da capital.

De forma natural começou a circular pelas rodas da elite paulistana e seu trabalho não demorou a cair no gosto destes cafeicultores, industriais, intelectuais e políticos que passaram a lhe conferir cada vez mais projetos particulares, de edifícios e espaços públicos.

Paula Sousa

Antônio Francisco de Paula Sousa.
Antônio Francisco de Paula Sousa.

Um importante “coadjuvante”, da história de Ramos de Azevedo, se é que se pode dizer isso, foi Antônio Francisco de Paula Sousa, engenheiro e político influente, mostrou-se bastante entusiasmado com as ideias de Ramos de Azevedo, e o levou às rodas intelectuais.

Enquanto deputado, elaborou o projeto de uma escola politécnica, que foi aprovada e inaugurada em 15 de fevereiro de 1894, com a participação de Ramos de Azevedo.

Paula Sousa foi um dos principais nomes ligados à Escola Politécnica de São Paulo, tendo sido seu diretor por 24 anos. A amizade com Ramos de Azevedo rendeu o convite para que este lecionasse na “Poli” e também fosse seu diretor por 11 anos.

Paula Sousa e Ramos de Azevedo ajudaram a formar gerações de engenheiros, muitos dos quais passaram a integrar os escritórios de ambos.

Carlos Leôncio da Silva Carvalho

A elite cafeeira nacional já vislumbrava o potencial de crescimento industrial das cidades e compreendia a necessidade de formação de mão de obra especializada para suprir esse processo de industrialização.

Carlos Leôncio da Silva Carvalho e sua esposa Maria de Jesus.
Carlos Leôncio da Silva Carvalho e sua esposa Maria de Jesus.

Assim, em 1873, sob liderança de Carlos Leôncio da Silva Carvalho, um advogado e Deputado Geral (atual Deputado Federal) e com o apoio financeiro da maçonaria paulista e dos cafeicultores, nasce a “Sociedade Propagadora da Instrução Popular”. A escola ainda era naquele momento nada mais do que algo no plano teórico. 

Em 1880, o conselho diretor da instituição, presidido por Leôncio de Carvalho, decide trocar seu nome para Lyceu de Artes e Officios e a escola passa a ministrar cursos de marcenaria, serralheria, gesso e desenho, entre outros.

Dez anos depois, Ramos de Azevedo assume a diretoria da escola, sendo responsável por uma nova reforma curricular e administrativa que a faria prosperar de modo inédito.

Bem relacionado nos círculos influentes da capital, com cada vez mais obras sob sua responsabilidade, Ramos de Azevedo foi hábil em se cercar de pessoas de confiança que o ajudassem em suas empreitadas.

Empresário de visão, criou além de seu escritório, empresas que davam suporte à sua atividade. Uma delas, a Cia. Iniciadora Predial, teve à frente, sob tutela de Ramos de Azevedo, outro personagem importante da cidade.

Luiz Ignácio Romeiro de Anhaia Mello

Anhaia Mello era filho de Luiz de Anhaia Mello, engenheiro civil e um dos fundadores da Escola Politécnica de São Paulo, junto de Ramos de Azevedo. 

Luiz Ignácio Romeiro de Anhaia Mello.
Luiz Ignácio Romeiro de Anhaia Mello.

Foi aluno de Azevedo na Escola Politécnica e a confiança do professor no estudante o levou a integrar o seu escritório. Algum tempo depois  passou a integrar a diretoria da “Ramos de Azevedo & Cia”.

Anhaia Mello teve outro papel relevante junto à Azevedo, foi seu sócio e dirigiu a Cia Iniciadora Predial, uma empresa de empreendimentos imobiliários fundada em 1908 para expandir a ocupação da cidade com a construção de imóveis.

Anhaia Mello atuou também na direção da Cia. Cerâmica Vila Prudente, fundada em 1890  pelos irmãos Emídio, Panfilio e Bernardino Falchi e os irmãos franceses: Antoine, Henry e Ernest Sacoman.

A empresa produzia tijolos, telhas e outros artefatos cerâmicos e em 1910 os irmãos Falchi venderam a olaria para José Puglisi Carbone, que, para viabilizar a compra se associou a outros empresários, entre eles, Ramos Azevedo.

O arquiteto fez com que Anhaia Mello se tornasse seu diretor. Sob gestão de Anhaia Mello a Cerâmica Vila Prudente teve um enorme crescimento e importância para a cidade de São Paulo e, claro, para as obras de Azevedo.

Ramos de Azevedo, ciente de que não poderia, ele só, abraçar todas as vertentes de seu negócio, buscava nas pessoas de sua confiança gestores que lhe permitissem a expansão de suas atividades.

Neste contexto, surge em sua história um jovem engenheiro, que viria a se casar com sua filha, Lucia.

Ernesto de Castro

Ernesto de Castro.
Ernesto de Castro.

O jovem gaúcho ingressou no curso de Engenharia Civil da Escola Politécnica de São Paulo em 1895, formando-se em 1899, como membro da primeira turma da Poli.

No mesmo ano, tornou-se funcionário público, atuando no cargo de segundo engenheiro na diretoria de obras públicas da cidade de São Paulo e casou-se com Lúcia Lacaze Ramos de Azevedo, filha de Ramos de Azevedo. 

Em 1903, associou-se ao sogro, que já operava na administração da empresa E.P. Bueno & Cia., casa comercial de importação de materiais para a construção civil, que veio a ser substituída por nova razão social: Ernesto de Castro & Cia.

Além do vínculo familiar Ernesto de Castro teve fundamental importância nos negócios de Ramos de Azevedo, gerenciando a cadeia logística que fornecia materiais de construção, nacionais e importados, para as grandes obras do Escritório. Castro garantiu o fornecimento constante de insumos, um pilar logístico e financeiro que sustentou o ritmo frenético de construção do Escritório na cidade.

Aqui, um parênteses importante na nossa história

A Ernesto de Castro e Cia, foi um dos principais clientes da Casa da Boia no início do Séc. XX.

Como relata a historiadora Renata Geraissati, responsável pelo projeto de pesquisa histórica do acervo documental da Casa da Boia, “não é possível afirmar, com certeza, que as grandes obras de São Paulo, naquele período, tenham tido insumos fornecidos pela Casa da Boia, já que os registros contábeis não detalham a destinação final, mas, é fato que a Ernesto de Castro e Cia., a empresa que supria as obras de Ramos de Azevedo, foi uma das mais assíduas compradores da Casa da Boia, com várias anotações nos livros-caixa do período de produtos adquiridos pelo genro de Ramos de Azevedo”.

Na história das relações de Ramos de Azevedo, duas outras pessoas seriam fundamentais para a expansão de suas atividades empresariais e, posteriormente, para a perpetuação de seu legado: Ricardo Severo da Fonseca e Costa e Arnaldo Dumont Villares.

Severo e Villares

Arqueólogo, historiador, engenheiro civil, escritor, arquiteto e construtor, Ricardo Severo foi contratado como auxiliar no escritório de Ramos de Azevedo em 1893, tornando-se seu sócio em 1908. 

Ricardo Severo.
Ricardo Severo.

Severo foi um dos mais atuantes diretores do escritório, responsabilizando-se pela sua administração, envolvendo-se com questões financeiras e relações públicas. Sua gestão deu tom para uma nova fase estilística da empresa: a chamada arquitetura neocolonial. 

Enquanto Ramos de Azevedo trazia o ecletismo europeu, Severo defendia um estilo nacional que buscava as raízes luso-brasileiras (Severo era português). Ele foi fundamental na composição de projetos como o Salão da Congregação da Faculdade de Direito da USP e ajudou a dar continuidade à obra acadêmica de Ramos de Azevedo, substituindo o arquiteto como Diretor do Liceu de Artes e Ofícios, em 1928.

Arnaldo Dumont Villares, engenheiro civil e elétrico, empresário e capitalista, era membro da elite cafeeira paulista. Neto de Henrique Dumont (este, pai do inventor do avião, Santos Dumont), foi outra figura fundamental para a trajetória de Ramos de Azevedo.

Por sua formação em engenharia elétrica, ramo ainda inexistente na Escola Politécnica e suas relações familiares (era, também, por parte de mãe, sobrinho de Ricardo Villares), ingressou no “Francisco de Paula Ramos de Azevedo & Cia”, convertendo-se em sócio do escritório em 1910 e casando-se com a filha de Azevedo, Laura, em 1912. 

Arnaldo era, assim, o nome da nova geração no escritório e a pessoa que perpetuou o legado de Ramos de Azevedo. Curiosamente, ainda que o mais novo é o único que não dispõe de uma imagem pública na internet.

O famoso arquiteto faleceu no ano de 1928, quando então Ricardo Severo assumiu a diretoria do escritório, momento em que passou a se chamar “F. P. Ramos de Azevedo, Severo & Villares” e, a partir de 1938, “Severo Villares & Cia”.

Por doze anos, Severo liderou o escritório, até falecer, em 1940. A partir de então, foi Villares que deu continuidade ao legado de Azevedo, ficando à frente da liderança do escritório até falecer, em 1965. 

Foi sob sua gestão que o escritório abraçou o Art Déco, a partir da década de 40, quando São Paulo vivenciava um processo de verticalização. Um dos marcos dessa era é o Edifício Azevedo Villares (1945), um dos primeiros grandes prédios da capital, e a participação em projetos de peso, como a construção do Estádio do Pacaembu.

A Severo & Villares

Mesmo após a morte de Villares a empresa permaneceu em atividade, sob gestão dos herdeiros dos sócios, até o ano de 1991, quando o Grupo Partsil Empreendimentos e Participações Ltda comprou o escritório dos herdeiros de Ramos de Azevedo.

Hoje a Severo Villares Projetos e Construções S/A. é uma empresa de incorporação e engenharia cujo foco principal é a atuação na prospecção e exploração de petróleo.

Eifício Azevedo Villares, erguido na gestão de Arnaldo Dumont Villares.
Edifício Azevedo Villares, erguido na gestão de Arnaldo Dumont Villares.

Fontes:

https://www.acervos.fau.usp.br/item/13671

https://www.acervos.fau.usp.br/item/13665

https://www.acervos.fau.usp.br/item/13667

https://www.acervos.fau.usp.br/item/13668

https://www.acervos.fau.usp.br/item/13672

https://www.researchgate.net/publication/356152676_Um_cla_edificante_Ramos_de_Azevedo_Arnaldo_Dumont_Villares_e_Ernesto_Dias_de_Castro

https://www.severovillares.com.br

https://repositorio.unifesp.br/items/f9dc10ba-3757-425b-9fef-0bf9305de8b1

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